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O DESVIO





As sociedades e as suas culturas impõem normas-padrão de relacionamento entre indivíduos pretendendo, assim, controlar as tensões que, sem essas regras, poriam em risco a sobrevivência colectiva quer em termos de segurança quer em termos de valores morais.


Apesar de constrangedor o respeito pelas normas é um garante que permite a continuidade de todo um conjunto de práticas sociais que asseguram a paz e a coesão dos grupos que têm na família o seu núcleo central. Por essa razão, a desestruturação familiar e o aparecimento de novos paradigmas de família têm incorporado um sem número de desajustamentos que vão da solidão acentuada dos mais velhos às dificuldades de adaptação dos mais jovens ao ambiente escolar e a uma forma saudável de construir um futuro baseado no amor e no respeito mútuo.


O encontro do ponto de equilíbrio em que o indivíduo pode ganhar o seu espaço de liberdade e criatividade descobrindo e reclassificando erros e maus passos sem perder o pé no mar encrespado duma sociedade atenta ao julgamento e à punição, é uma tarefa gigantesca da qual resulta a vida vivida, ou a vida negada, consoante a maior ou menor aproximação ao desiderato atrás referido.


Frequentemente o saldo é desajustado e é o sofrimento e as facturas cobradas, o preço que pagam todos aqueles que enveredaram pela loucura de um bater de asas num sol que os ofuscou não deixando ver as paisagens para além da luz.


São estes os alvos fáceis para sociedade constrangedora que aponta e que não se apieda. Há como que uma necessidade de ressarcir antigas frustrações porque mais ou menos todos sonham saltar os muros mas a poucos são dadas a loucura e a coragem para o conseguirem. É como que uma necessidade de punir quem foi capaz de chegar mais perto do sol. Como se quem voa fosse necessariamente um Ícaro vaidoso e insensato.
As sociedades que se complexificam com as suas normas encontram, frequentemente, nos desvios a razão dos males para as decomposições cíclicas que sempre experimentam para manterem activa a sua racionalização. É mais fácil crucificar que apoiar. Crucificar é como possuir uma auréola de poder que escalona mais-valias e dá retornos de superioridade. O apoio tem custos que vão da entrega humana à conotação com modus vivendi que a conduta pretende demarcar.


Também aqui o ponto de equilíbrio é difícil de encontrar. De um lado temos quem abdicou de um bater de asas mas que sempre sonhou e em silêncio invejou quem procurou a luz e, do outro lado, o caminhante que foi de punho aberto num caminho sem retorno. Ambos são espécie humana mas como fazer o encontro destas vontades?


Ambos têm direito às suas escolhas e, frequentemente, os desviantes exigem a quem os sustentou com a firmeza das regras, que os aceitem como seus com os seus infortúnios e os seus fracassos. É como conceder-lhes um duplo privilégio que consiste em deixá-los voar e aparar-lhes a queda renegando os sonhos que têm também os que não se desviaram e ficaram com calos nas mãos a construir caminhos.





27 comentários:

Pata Negra disse...

15 dias é muito tempo! Folgo em voltar às tuas maduras reflexões! partir a loiça de coração inteiro!
Os teus textos começam a ter cimento para ser livro!
Aquele abraço sem desvio

C Valente disse...

SAUDAÇÕES AMIGAS É SEMPRE UMA MARAVILHA POR AQUI PASSAR

Paula Raposo disse...

Concordo. Está-se sempre pronto a crucificar, sem raciocinar...beijos.

Manuel Veiga disse...

transgredir é progredir...

gostei do texto

beijo

Anónimo disse...

Bem retornada sejas. Também andei arredado das lides blogosféricas e ainda não apanhei a carruagem do comboio. Subscrevo o Pata Negra e corroboro o herético e mais não digo a não ser que conceitos pré-definidos sempre me fizeram muita comichão na cabeça.

Saudações do Marreta.

Nuno Raimundo disse...

Olá...

Gosto da forma como escreves.
A clareza dos textos aliada á tua escrita deixam-me sempre a matutar no que escreveste.:)

Bjs

São disse...

O equilíbrio, sempre tão necessário, e sempre tão delicado e difícil de construir.
Um abraço apertado, linda!

Odele Souza disse...

Que bom que você voltou Lidia. Já sentia tua falta. E teu texto de retorno é daqueles que nos chama à reflexão. Mesmo difícil, o equilíbrio deve ser buscado sempre.

Beijos.

Sei que existes disse...

Julgo que é entre as diversas tentantivas para cumprir as regras (nem sempre "certas")das sociedades e a sua quebra que se dá o desenvolvimento do nosso ser... Sem dúvida que nem sempre é fácil...
Beijo grande

Peter disse...

"os desviantes exigem a quem os sustentou com a firmeza das regras, que os aceitem como seus com os seus infortúnios e os seus fracassos. É como conceder-lhes um duplo privilégio que consiste em deixá-los voar e aparar-lhes a queda"

Estou a ver onde queres chegar. Deixemos-lhe voar mas não estou disposto a aparar-lhes a queda.

Compadre Alentejano disse...

A Blogosfera não pode passar sem o Silêncio Culpado! É primordial a tua presença diária.
O texto é excelente e subscrevo.
Um abraço
Compadre Alentejano

Adriana disse...

Volta triunfal...equilibrio e devaneios são irmãos gemeos,e convivem bem!

Susana Falhas disse...

Olá, Silêncio Culpado!

A forma como vivemos em sociedade é muito complexa. À partida para se viver em paz, temos que respeitar as regras da sociedade...Mas, na realidade vivemos num sistema cheio de contradições, em que vencem os mais fortes,que passam por cima dos mais fracos,para alcançar os seus objectivos,acabando impunes. Enquanto que as pessoas que cumprem rigorosamente as regras ditadas pela própria sociedade, correm sérios riscos de serem crucificados em praça pública por coisas, por vezes insgnificantes...
A vida é injusta, temos que saber jogar ao som da mesma música, quer queiramos, quer não.

Um abraço!

Fatyly disse...

Li e reli este teu texto que é uma reflexão sobre as sociedades actuais.
"Os desviantes exigem a quem os sustentou..." sim podem exigir mas seria um tremendo erro "aparar-lhes a queda", porque é nas quedas que aprenderão a respeitar a sociedade e a serem mais humanos. Não digo para não os ajudar quando caídos, o que é diferente, mas tudo é um aprendizado constante.
Tal como subirem na vida sem fazerem a ponta de um corno, pisando tudo e todos...calmamente façamos o nosso, que logo, logo...estarão no nosso patamar, porque quem sobre rapidamente as escadas mais depressa é o tombo.

A crise em que estamos toda ela foi provocada por "falta de carácter, ética, respeito, ganância, "desvio", moral" praticada por alguns contra povos inocentes e o resultado está à vista de todos. Ricos que ao quererem ser ainda mais ricos perderam tudo.

Hoje reparo que a solidariedade está a tomar volume, que as famílias estão a unir-se mais, que as pessoas já falam mais umas com as outras...e tudo o que dizes faz sentido!

Adorei!

Beijocas

FERNANDINHA & POEMAS disse...

QUERIDA LÍDIA, O EQUILÍBRIO TÃO DESEJADO ESTÁ CADA VEZ MAIS DÍFICIL... UM ABRAÇO AMIGA!!!
FERNANDINHA

Anónimo disse...

Querida amiga, a desestruturação da familia, tem trazido grandes prejuízos a sociedade como um todo. Os valores importantes, que antes eram passados de pais, para filhos, agora fazem parte de um passado remoto e com isso a sociedade, de uma forma geral, em todas as estâncias, acaba por sofrer as consequencias...
Concordo com tudo que foi colocado aqui.
Bom fim de semana!
Beijos

Arnaldo Reis Trindade disse...

Tentando buscar o equelibrio após tanto tempo longe de tí amiga, que bom que retornou, estava com saudades, espero qeu não suma novamente tão cedo, bem, buscar o equilibrio na vida é cada vez mais complicado e as vezes temos de fugir das regras mesmo sabendo que estaremos talvez nos sentenciando a cruz, mas creio eu que pelo menos no meu caso, por mais que me crusifiquem eu estou a buscar o meu lugar ao sol e se possível chegarei bem perto dele, espero que se eu cair que me aparem a queda e que se eu chegar lá em cima e conseguir o que desejo que a sociedade não fique tão contra mim como já ficaram um dia e que eu alcance o equilibrio tão desejado

abraços

O Profeta disse...

Construí um abrigo no deserto da emoção
Os vales são as ruas de um Deus
Fecha-se a alegria da terra
Um último olhar de amor, solto dos olhos teus

Na noite tudo se perde
Mora a sombra, o desvario
A indomável vontade do amor
Tem a força de um Rio


Bom fim de semana


Mágico beijo

Vanuza Pantaleão disse...

A Sociologia anda às voltas com esses "enigmas", não é mesmo, amiga?
Difícil...
O seu texto nos pede mesmo muitas reflexões, mas vim aqui, basicamente, para lhe desejar um belo final de semana!!!Bjsss

António de Almeida disse...

Não serei que eu que defendo que alguém possa ser impedido de voar, mas não pretendo amparar a queda a quem quer que seja. A liberdade é para mim um valor absoluto, apenas conhece como limite a liberdade do próximo, e vice-versa, naturalmente, mas nós somos as nossas escolhas, e escolhas trazem consequências, boas ou más...

JOY disse...

Olá Lidia,

Estava com saudades tuas, é bom voltar a ler-te.

Abraço forte
Joy

mfc disse...

Disseste tudo naquele último parágrafo.

alex disse...

Lídia:
Equilibrio, regras, autoridade, viver sobre as normas padrão desta sociedade tão hipócrita é muito complicado para mim, que sempre fui marginal, mesmo hoje em dia gosto tanto de transgredir, nem que seja só um pouquinho...
Já fui mil e uma vez crucificada,mil e uma vez invisivel e mil e uma vez descriminada dentro desta sociedade feroz.Tive sempre alguém que me aparou na queda,mas voei alto.Não sei o que diga se valeu a pena?Ainda não é tempo para dar essa resposta sinceramente
beijo grande

Zé Miguel Gomes disse...

Onde assino?

Anónimo disse...

Olá Lídia,
o dia 10 já passou há muito.Já tornaste!
Sobre este texto, digo-te que todos temos fracassos, ilusões e desilusões. Uns batem asas e voam; outros ficam debaixo das asinhas. A vida vai-nos ensinando. Vai-nos moldando, mostrando o caminho. Depende de cada um, subtemer-se ou não, às ideias e generalidades.Em minha opinião, devemos aprender com os erros do passado e não devemos esquecer os que nos ajudaram. Devemos dar a mão a quem nos auxilia, ou não. Devemos ser, acima de tudo, sinceros. A sociedade é hipócrita. Todos temos um pouco de hipocrizia e ostentação nas entranhas delicadas do nosso ego. Eu já cometi erros ao longo da vida. Sim, claro, tal como todos os que aqui escrevem e lêem. Pior que errar é não reconhecer o erro. E, geralmente o erro não morre solteiro. Quero eu dizer que há sempre uma razão para uma tomada de atitude.Boa ou má. "Pior que tomar uma atitude errada é não tomar nenhuma"!
O tempo é bom conselheiro...

Saudações e um sorriso

Anónimo disse...

as normas, as regras existem, tal como existem as leis... importante é a execução sempre tão ludibriada.

Anónimo disse...

FORÇA!
Bom fim de semana e saúde para todos.