Inês Fontinha é uma figura surpreendente e algo polémica como são todos aqueles que se entregam a uma causa sem perderem a verticalidade para apontar o dedo a quem produz a chaga que pretendem sanar.
Socióloga e madeirense esta Mulher dirige há perto de quatro décadas a Associação o Ninho que procura compreender e integrar mulheres desvalidas que caíram na prostituição por razões económicas e pela ausência daquela igualdade de oportunidades que continua a ser um desiderato difícil de realizar.
Mas porque os poderes instituídos não gostam de quem os conteste terá passado despercebido à maioria dos mortais deste País que Inês Fontinha integrou, em 2006, uma lista apoiada pela organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) de mil mulheres, propostas para o Nobel da Paz.
Se tivermos em conta que de 1901 até esta data apenas 12 mulheres foram laureadas com este prémio facilmente nos aperceberemos do valor reconhecido internacionalmente a Inês Fontinha por todo um trabalho desenvolvido junto da comunidade das prostitutas de rua.
Apesar de ter sido condecorada por Jorge Sampaio e homenageada pela Assembleia da República com o Prémio de Direitos Humanos e dos vários prémios internacionais também recebidos a sua visibilidade continua a ser diminuta face ao mérito reconhecido.
Para melhor compreender o alcance do trabalho de Inês a seguir transcrevo extractos duma entrevista ao programa Diga Lá Excelência (retirado do blogue Memórias do Presente).
PÚBLICO - Qual é o perfil da pessoa que se prostitui?
INÊS FONTINHA - Há um conjunto de factores que interagem entre si e não podemos isolar um, nem um tem mais peso do que o outro. Entre eles estão o trabalho infantil, a violação ou o abuso sexual na infância, o desamor.
PÚBLICO - O campo pro-legalização fala em histórias de vida "normais", de mulheres casadas, com filhos, muitas vezes com outras profissões, que optam pela prostituição. Esta opção parece-lhe totalmente descabida?
INÊS FONTINHA - Parece-me uma análise incorrecta da realidade. Uma mulher que tem três ou quatro filhos, ganha o ordenado mínimo, tem uma renda de casa para pagar e o dinheiro acaba-lhe no dia 10 ou 15 pode prostituir-se para alimentar os filhos. Se falar com ela, vai perceber que ela não tem o plano de permanecer na prostituição, o projecto é sempre a saída. (…)
PÚBLICO - Por que existe o sexo pago?
INÊS FONTINHA - Vivemos numa sociedade em que, apesar dos avanços no campo dos direitos das mulheres, muita gente ainda concorda com uma situação em que a mulher está completamente subalternizada ao homem, é um objecto, um instrumento de prazer do homem.
(…)
PÚBLICO - Não é o poder legítimo de a mulher o poder vender?
INÊS FONTINHA - Não. É o poder legítimo de o homem querer e poder comprar. Não conheço nenhuma mulher que goste de ou queira ser prostituta. Não conheço nenhuma família, por muito desorganizada que esteja, que tenha como projecto de vida para os seus filhos serem prostitutas ou prostitutos.
PÚBLICO - A Suécia penaliza desde há alguns anos os clientes. A solução poderia passar por aí em Portugal também?
INÊS FONTINHA - Temos de reflectir muito sobre a nossa realidade. Estamos preparados para punir o cliente? A Suécia considera que a igualdade de género passa pela punição do cliente e esteve anos a preparar a opinião pública, tanto que hoje 80 e tal por cento da população são favoráveis a esta medida. É completamente diferente de Portugal, em que o cliente é rei e senhor. Não é ter uma lei apenas no papel, é para a fazer cumprir. (…)
PÚBLICO - Mas o sistema actualmente existente em Portugal funciona?
INÊS FONTINHA - Não funciona porque não existe vontade política de fazer prevenção nem de inserir as pessoas.
PÚBLICO - O que falta?
INÊS FONTINHA - É necessário invertermos a política que temos neste momento. O ordenado mínimo não chega para uma mulher sobreviver sozinha com um filho, a habitação é um problema grave, as rendas vão aumentar... Há uma desigualdade profunda. (…)
PÚBLICO – (…) Como encara as declarações do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão, que afirmou, em entrevista ao PÚBLICO, que "a via da reinserção social é fictícia"?
INÊS FONTINHA - Se disse isso, ignora o que é a reinserção social. Das sete mil mulheres que passaram pelo Ninho, 90 por cento estão integradas. Se 90 por cento estão integradas, não se aposta na reinserção? Não estou a perceber. É necessário é dar meios, isso sim.
PÚBLICO - Trabalha no sentido de acabar com a prostituição um dia?
INÊS FONTINHA - O Ninho é membro fundador de uma federação europeia para o desaparecimento da prostituição, criada porque a comunidade europeia está a ser pressionada pelo proxenetismo organizado no sentido da legalização.
PÚBLICO - Não é uma utopia querer acabar com a prostituição?
INÊS FONTINHA - A nossa história é feita de utopias.
32 comentários:
Conheço a sehora, sim. Já a vi/ouvi na TV e sabia da sua ligação e trabalho de grande mérito junto das prostitutas de rua.
Curiosamente não me lembrava minimamente do nome.
Gostei muito de ler a entrevista!
Um abraço e bfds.
Curiosamente tb eu já tinha ouvido falar do Ninho mas não me lembrava de todo do nome da sua responsável!
O que talvez signifique que se trata de uma pessoa humilde que nunca sentiu necessidade de colocar a sua pessoa sob a luz dos "projectores" (outros não tendo feito metade não teriam hesitado em o fazer)! Felizmente para todos nós que há pessoas assim!
Conheço-a. De "outros" trabalhos.
É uma Mulher que passa praticamente despercebida e cuja obra poucos conhecem.
É uma pena, mas quem podia e devia salientar o trabalho dela entretem-se com "outras coisas"...
Um abraço, Lídia
Lídia..
Todos sabemos que existem assuntos que não interessa falar muito sobre eles. Pouco importa se são socialmente dignos e importantes, se as pessoas nele envolvidas, são gente de mérito e crédito, com provas dadas na experiência da vida e nos silêncios que os outros calam.
Aqui está um exemplo, a prostituição, aqui está uma mulher, Inês Fontinha que muito tem feito pela defesa e reinserção da mulher que faz do seu corpo uma forma de sustento.
Eu própria desconhecia algumas coisas que divulgas aqui neste post, e te agradeço por isso. Mas na realidade, pouco se divulga sobre este tema, incomoda muita gente, é... como direi, " mau para o negócio"!
Gostei de ler a entrevista, mas tenho de acrescentar que existem hoje outras realidades sociais, cujo recurso à prostituição tem sido progressivamente utilizado. Entre elas, destaco as situações em que mulheres e jovens estudantes utilizam a prostituição, como um meio transitório de obterem o que de outra forma, seriam necessários muitos anos de poupaças e outros sacríficios ou mesmo nunca seria possível.
Se queremos ser verdadeiros, a prostituição como negócio de lucro rápido também existe, na tomada de decisão de muitas mulheres que decidem prostituir-se.
Um abraço
Um bem Haja a esta Senhora...
É uma SENHORA!
Conheço o trabalho da Ninho.
Gostei de o ver aqui referenciado, Lídia. Sempre actualíssimo, este blog!
um abraço
Parabéns.*****
Abraços.
Lídia,
Pessoas como a Inês Fontinha merecem toda a nossa admiração por terem a coragem de lutar por causas dificeis, ou que como a própria considera utopicas. Pessoas assim merecem todo o tipo de destaque e reconhecimento publico.
Bjo.
Lídia,
já há muitos anos que ouço falar e já vi por vezes na televisão, a Inês Fontinha e a sua obra.
Uma pessoa que dedica tantos anos da sua vida, a uma causa como esta, só pode merecer a nossa admiração e a nossa homenagem.
Beijinhos
LIDIA
Desejo-lhe um bom dia da MÂE
junto dos seus.
beijinhos
Já a conhecia embora não goste de "notoriedade televisiva". É uma Grande Senhora e consegue pôr TUDO na sua última resposta deste texto.
Obrigado por mais uns pormenores que desconhecia e foi bom vir até aqui.
Beijos sinceros neste dia de todas as mães.
querida Lídia
venho agradecer-lhe o carinho e retribuir-lhe o gesto da amizade tanta que sinto sua, por mim, como minha tenho por si.
feliz dia da mãe.
para Si em especial, detentora de um saber ser e saber estar sublime e acima de quaisquer expectativas.
um abraço sempre apertado, Lídia.
gosto muito de si, sabe disso.
utopias. que são salvíficas.
vim.
ou melhor inscrevo-me hoje aqui pela primeiríssima vez.
neste maio solar e em materno dia.
abraço. cordial.
Não conhecia a personagem.
Mas também é para se saber mais que servem os blogs.
Beijoca.
Tenho seguido com admiração o seu percurso.
É uma pessoa de uma dignidade absoluta.
No vendaval da Vida
Ter novo horizonte
Beber na doce fonte
Ver o nascer do sol
Limpar meu coração
Pegar um girassol
Ofertar ao meu irmão
Reviver a esperança
Feliz como uma criança
Vivendo essa emoção.
UM BEIJO E BOA SEMANA
Conheço o trabalho do ninho e da Inês mas nunca deu para lembrar! Obrigada por o teres feito...fico sempre orgulhosa por estes exemplos que nos ajudam a ter esperança..beijos amiga...
interessante
gostei de saber
abraço
hoje
dia da Mãe deixo...
MÃE
Queria falar-te
Queria dizer-te tanto...
Mas nada te digo...
E sei que lá...
Onde estiveres...
Sentes as saudades...
E o quanto te quero....
Hoje é o dia da Mãe...
Para mim, sinto-o todos os dias...
Todos os dias me faltas...
E todos os dias te sinto...
Sei que me olhas...
Sei que me vês...
Sei que me queres...
Sei que me proteges...
Neste dia diferente...
Estou aqui...
A mandar-te um beijo...
E a dizer-te ...
As saudades que tenho...
LILI Laranjo
Gostei de ler a entrevista :)
Tenho o previlégio de conhecer pessoalmente esta grande senhora.
Nunca será demais dizer obrigada a Inês Fontinha pelo seu trabalho e dedicação a uma causa que para muitos seria uma causa perdida.
Obrigada também por nos lembrar esta grande mulher e o seu trabalho.
Um grande abraço,
Maria Emília
a prostituição não acaba mas há que fazer para mimimizar os seus males
Quando as mulheres se fazem ouvir são, quase sempre, polémicas. A História, quando não as remeteu ao silêncio, bem mostrou quanto elas eram intervenientes.
Mas é da polémica e da discussão que se faz o esclarecimento. Se evolui. Se cresce.
E depois, as mulheres sabem da capacidade de sonhar como ninguém :)
Em tempos critiquei Inês Fontinha por considerar que não se deve misturar a prostituição de rua, com a qual O Ninho lida diariamente, com a prostituição de luxo, voluntária, bem paga, onde não existe exploração. Depois a ideia de criminalizar o cliente parece-me um absurdo, é daquelas banalidades que sai politicamente correcto dizer bem, mas não funciona. Em qualquer caso, e por muitas divergências e reservas que tenha ao discurso de Inês Fontinha, não deixo de lhe reconhecer um caracter humanista, uma acção meritória, que ajuda muitas pessoas.
Lídia,
Inês Fontinha não me é desconhecida, pelo seu trabalho, pela sua indicação para o Nobel, pela sua determinação.
Concordo plenamente com o sua visão sobre a prostituição, apenas lamento que não se proceda aqui como na Suécia... a penalização (a sério) dos "clientes".
Julgo que era meio, ou uma grande parte do caminho andado.
Esse será o nó górdio da questão, quanto a mim.
Mais um post muito importante, Lídia.
Um abraço
Conheço a obra da Inês Fontinha mas desconhecia que ela tinha integrado uma lista de mulheres propostas para o Nobel da Paz.
É claro que a sua tão meritória actividade em prol da reinserção social das prostitutas não é mais reconhecida e acarinhada por várias razões:ela é mulher e intervém numa área em que se movimentam variados e poderosos interesses. E, como muito bem ela diz na entrevista que citas, os homens, que são os clientes e os beneficiários dominantes na área da prostiuição, dominam, também, os meandros da política e da justiça.
Por isso...
Querida Lidia,
Após ler teu post tenho a te dizer: Que mulher linda é Inês Fontinha! Dessas pessoas que só de ler a respeito já sentimos por ela simpatia.
Inês Fontinha, uma mulher cujo trabalho deveria estar mais na mídia.
Um abraço Lídia.
Oi Lídia, olha eu aqui novamente!!!
Tem um selo para você lá no meu blog, fique a vontade para aceitá-lo ou não, e mais uma vez, obrigada pelas visitas e comentários.
Abraços.
Ângela
Inês Fontinha, uma verdadeira lutadora!...
Na verdade ela tem toda a razão quando diz que a História é feita de utopias!...
Deixo aqui o meu abraço e admiração!
conheço a sua obra e o seu carácter.
fico muito feliz (agradável surpresa) com a homenagem a Inês Fontinha...
beijos
Enviar um comentário