.



A ADOPÇÃO DE CRIANÇAS E AS CRIANÇAS QUE NINGUÉM QUER


Quando se fala na adopção de crianças, e se defende mesmo que deverá existir um dia nacional dedicado à adopção, várias interrogações poderão ser colocadas sobre a bondade da adopção e sobre as circunstâncias que permitem que certas crianças estejam em situação de ser adoptadas.


São por demais conhecidos casos de rejeição e de maus-tratos por parte das famílias biológicas mas talvez sejam menos conhecidos, e não menos frequentes, crianças que são entregues a instituições porque os seus progenitores, especialmente a mãe, em situação de penúria e desamparo extremos, não conseguem ver outro caminho pela frente que não seja entregarem os filhos para que outros lhes proporcionem o bem-estar que eles não podem. E fazem-no com o coração partido porque o amor não é apanágio de quem o pode suportar. Acontece no nosso País e, mais acentuadamente, noutros países, por esse mundo fora, onde grassa a pobreza em vários sentidos e com várias leituras.



Uma pobreza que alimenta impérios, sejam da prostituição ou de negócios ilícitos, ou simplesmente dum desemprego que alastra como uma nódoa ou uma praga sobre a consciência dos homens sem consciência. É este universo de gente explorada, maltratada ou despida de afectos e de valores sentimentais, que produz crianças que se destinam a ser adoptadas pelos que podem, pelos que se afirmam detentores doutra qualidade de afectos já que as margens da vida nunca foram o seu habitat na terra.



Estes candidatos a pais, com aquelas credenciais que os tornam credíveis, buscam nas prateleiras das instituições a criança que lhes falta para dar cor à sua vida e continuidade à sua casta.



Não querem os mais velhos que já não podem apresentar como se seus filhos fossem. Apesar de, em Portugal, haver, em 2007, mais de 11.000 crianças institucionalizadas à espera de serem adoptadas, durante o mesmo ano as adopções não andaram longe das 300.



E isto porque, dos candidatos a pais inscritos, a esmagadora maioria pretende apenas crianças com menos de três anos ou no limite com seis anos de idade.



Crianças com idades superiores a 9 anos estão fora de questão, como fora de questão estão também as crianças doentes, deficientes e mesmo de outras etnias.



As vocações parentais parecem pois, em muitos casos, virem associadas a necessidades de realização pessoal que se revêem no êxito e na beautiful people excluindo todos os que não se enquadram nestes conceitos.



De fora ficam as principais vítimas e os principais interessados: Crianças a quem a vida negou o desenvolvimento junto da família natural, que as devia amar e proteger, e que refinou a sua crueldade para com elas tornando-as como um produto de marketing não apetecível, sobrante, desinteressante como objectos de refugo duplamente rejeitados.



Que sentimentos terão estas crianças quando adultos do amanhã? Algumas ainda encontrarão aquelas pessoas boas e raras que amam incondicionalmente. Mas as outras?



28 comentários:

Å®t Øf £övë disse...

Lídia,
As outras tendem a tornar-se em adultos revoltados com a sociedade, e por isso mesmo irão tornar-se violentos e marginais. Infelizmente continuamos a viver numa sociedade em que se olha em demasia para o próprio umbigo, e em que a adopção funciona muito bem para satisfazer vontades, e manter status. Esta sociedade continua muito hipocrita.
Bjo.

Menina do Rio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Menina do Rio disse...

Lidia querida; esta questão da ADOÇÃO é complexa.
Tem até uma música dos anos 80 que fala "Troque seu cachorro por uma criança pobre", mas não é simples assim.
Vejamos:
- Compatibilidade ou não, no caso de os casais já terem filhos
- Excesso de burocracia. As instituições fazem exigências absurdas! (Ex: Tu tens dois ou 3 filhos que dividem um mesmo quarto e vivem sem traumas, mas se optares por adotar mais um, vais ter que "dispor" de acomodações individuais, comprovar rendimentos altos e outras coisas)
- Quando se adota uma criança recém-nascida, educamos dentro dos parâmetros que temos sobre familia; mas quando se opta por uma criança maior de 3 anos, ela já vem com vícios adquiridos que acabam por gerar conflitos.
- A questão de adaptação do adotado perante a nova familia.
Tudo isso deve ser medido, ou o que pensamos ser solução, vira problema.

Deixo-te um beijo de boa semana, querida

São disse...

A adopção é um tema delicado.
Por agora, fico só assim.
Um abraço, querida.

António de Almeida disse...

Alguém quer resolver o problema da adopção? Deixemo-nos de Humanismos da treta, a legislação é responsável pelo actual estado da adopção em Portugal. É um facto que a maioria das pessoas querem adoptar uma criança até 3 anos de idade, casais jovens com problemas de fertilidade gostariam de ser pais e não podem, considero tal permissa prefeitamente compreensivel. Outros menos jovens, ou já com filhos, não se importam de adoptar crianças um pouco mais velhas, mas existem muitas complicações, que levam muitos candidatos a desistir, ou colocar condições a partir de determinada altura, quando percebem como funciona o inacreditável processo de adopção em Portugal.
1-Todas as garantias são oferecidas à família biológica. Por vezes como o texto afirma, e bem, as mães entregam a criança, os motivos são vários, toxicodependência, prostituição, mas caso a mãe resolva efectuar uma simples visita passado uns meses, a Justiça vê logo ali um sinal de possivel reabilitação da progenitora, sendo bem capaz de deixar a criança permanecer institucionalizada por mais um ano, ou dois, até que a mãe venha trazer mais um filho, ou dois, o que irá complicar todo o processo, quando a criança for considerada adoptável teremos a mais velha com 7 ou 8 anos, vivendo com os irmãos, que não poderão ser separados, revoltados, à espera que a mãe os venha buscar, porque entretanto foi-lhes contada uma história de faz de conta, adoptar 2 ou 3 irmãos nessas circunstâncias será uma carga de trabalhos e um mar de problemas, a culpa será dos candidatos a pais adoptivos?
2-Mesmo que seja apenas uma criança, por exemplo filha duma toxicodependente, basta que esta vá visitar a criança 1 vez em 6 meses, e se inscreva numa desintoxicação que nem conclui, e a criança não é adoptavel. Após ter falhado todas as tentativas é que a criança será adoptavel, só que nessa altura terão passado uns anitos, quando era ÓBVIO que aquela mãe não iria a parte alguma.
3-A legislação deveria presumir o interesse da criança, e não a possivel reabilitação dos pais normalmente é só a mãe), mas o princípio Humanitário subjacente ao Direito português impede tal.
4-Existe uma dificuldade na adopção de crianças mais velhas, pela tal criação da história que lhes foi incutida, que as leva a rejeitar uma família, quando eles esperam por outra que não existe.
5-concordo que existe dificuldades na adopção de crianças de raças diferentes e principalmente doentes, mas este último aspecto não pode ser dissociado da desconfiança com que os cidadãos olham para a prestação dos serviços de saúde em Portugal, cada vez um maior número de pessoas contratualiza seguros de saúde.

Pata Negra disse...

Pois, é duro dizê-lo e será duro admiti-lo mas, na verdade, as crianças não podem ser adoptadas duma prateleira. A verdade é que quem tem filhos biológicos não os escolhe - ama-os e pronto.
Admiro igualmente quem escolhe adoptar. Em circunstâncias ideais nem os deveriam de ver antes - aceitá-los-iam independentemente de quem são e como são.
Mas quem sou eu para estar aqui a dar directivas?
Viva o blog que me está sempre a acordar. O pior é que muitas vezes acordo ensonorado!
Um abraço adoptado

SILÊNCIO CULPADO disse...

Å®t Øf £övë
O que dizes corresponde à minha visão sobre o tema. Não aceito que se escolha uma criança como quem escolhe uma mobilia ou uma casa.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Menina do Rio
Estou em falta contigo mas tenho estado à espera de poder acrescentar alguma cor ao novidade ao meu comentário o que ainda, como deves saber, não foi possível.
Relativamente à adopção não devemos esquecer que estamos a falar sobre a vida e o destino de seres humanos que começam por ser crianças. Crianças que deveriam ser amadas e ter as mesmas oportunidades independentemente da raça, da idade, das diferenças e até das patologias.
Os filhos biológicos, de famílias ditas normais, também podem ser problemáticos e também podem estar doentes. Porque é que exigimos que os outros sejam perfeitos ou estjam em perfeitas condições para serem adoptados?

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

São
Obrigada, querida.

Obraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

António Almeida

É evidente que a lei sobre a adopção tem muitas lacunas. Às vezes demasiadas lacunas para situações que deveriam ser agilizadas.
Porém e o que está em causa, em meu entender, é que a adopção proporcione a crianças abandonadas, ou retiradas às famílias, o amor e as oportunidades que não tiveram e lhes são devidas.
Quem adopta deverá, acima de tudo, estar apto para amar e quem ama não escolhe o objecto do amor nem se furta aos inconvenientes que esse amor por vezes lhe proporciona.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

Em poucas palavras exprimiste o meu sentir mais fundo: quem procura realizar-se amando quem precisa de amor não faz tantas exigências sobre os atributos que deverá ter o objecto desse amor.

Eu gosto de animais, especialmente de cães. Tenho 3 que recolhi da rua. Um deles veio muito doente e com uma perna partida. Recuperá-lo foi o meu desafio. Agora está lindo e é muito inteligente. Dão-me muito mais prazer estes animais que os cães de raça.

O ideal seria que as adopções se processassem sem ser por escolha.Porém a sociedade não está preparada para essa elevação e as crianças com problemas correriam novos riscos caso calhassem a pessoas que dificilmente as aceitariam como são.
O que está em causa aqui é a chamada de atenção para que sejamos menos egoístas na nossa forma de olhar e amar o outro.Um ser humano é um ser humano e quanto mais desvalido mais necessidade tem de ser amado.

Abraço

Peter disse...

Chocam-me profundamente todos os temas que envolvam crianças.

Do teu texto, destaco:

"As vocações parentais parecem pois, em muitos casos, virem associadas a necessidades de realização pessoal que se revêem no êxito e na beautiful people excluindo todos os que não se enquadram nestes conceitos."

O Árabe disse...

Mais um sensato e inquietante texto, amiga. Afinal, quantos não amam nos seus filhos apenas o orgulho satisfeito de vê-los belos e inteligentes? :) Boa semana!

AJB - martelo disse...

um pouco como os patinhos feios...conheço algumas pessoas que até são saudáveis , mas é mais "prático" fazer uma aquisição...

abraço

http://caixadepregos.wordpress.com/

Meg disse...

Lídia,

Já passei várias vezes por aqui, mas tal como o Peter, também a mim me impressionam estas discussões sobre a adopção. Tudo o que mexe com crianças me deixa como que meio bloqueada e incapaz de alinhavar duas ideias sobre o assunto. Só teria interrogações como comentário.
Por isso depois de ler e reler, acho que estou em sintonia com o comentário de António Almeida.

Um abraço

Teresa Durães disse...

Ainda por cima o tempo que leva adoptar

JOY disse...

Olá Lidia,

Porquê não se auxiliar de forma efectiva as familias com dificuldades em sustentar o filho entretanto nascido, impedindo que a mãe ou o casal o entrgue para adopção, até quando os casais que desejam adoptar crianças terão de viver com uma burocracia quase intranponivel e que atrasa de forma quase irreversivel a adopção principalmente as crinças que não se enquadram dentro do estéreotipo do Beautiful People, há que reduzir os prazos para adopção .
Como dizia o Pata negra" ainda bem que existem estes blogs para nos acordar"

Abraço forte
Joy

Manuel Veiga disse...

tema "fracturante" com que sou solidário.

e que deveriam merecem outro interesse dos poderes públicos e agentes políticos.

abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Peter
As vocações parentais e não apenas de quem pretende adoptar.
Muitos pais exigem dos filhos sucessos que eles não tiveram e lidam mal com os seus fracassos.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Árabe
É isso, meu amigo, que acabo de referir. Há pais que vêm nos filhos uma mais valia de sucesso que apresentam na sua relação com os outros. Esquecem-se do amor total que os incluiria também nos fracassos.
Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Martelo
A adopção só será um acto de amor quando a felicidade e o bem estar da criança vier primeiro independentemente da sua cor, idade ou patologia.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Meg
Obrigada pela visita. As crianças é o que de melhor há neste mundo e, por isso, pensar nelas nunca será demais.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Teresa Durãs
É verdade, Teresa, o tempo que leva não faz sentido.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

JOY
Vieste de encontro à minha grande preocupação que está na impossibilidade de certas famílias ficarem com as crianças, por dificuldades de ordem vária, e que nada têm a ver com o facto de não as quererem.
Nessas situações haveria que ajudar. Noutras, naquelas que há rejeição ou naus-tratos, deveriam ser agilizados os processos de adopção de forma a que as esperas não sejam demasiado prolongadas.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Herético
Para merecerem outro interesse dos poderes públicos e políticos teria que verificar-se uma maior consciência dos direitos que todos devem ter relativamente à dignidade, oportunidades e satisfação das necessidades básicas.Uns não podem ser mais "pessoas" que outros.
Abraço

ManDrag disse...

Salve! Lídia
Trazes à reflexão um tema que muito me constrange.

Quando oiço alguém falar em querer engravidar para ter um filho, logo me ocorre a ideia dos milhões de crianças sem família que pululam por este infame mundo em que nos arrastamos.

Mas logo me contrapõem: "eu sou fértil, tenho direito a ter um filho MEU, algo do MEU SANGUE, da MINHA CARNE". E isso me soa tão tristemente obsoleto!... e egoísta.

E mais agonizante me é com a mágoa de casais que recorrem a múltiplos tratamentos para poderem engravidar e gerar uma nova criança.
Não entendo de todo. É-me completamente estranho e despropositado. Tudo isso me parece dum egoísmo cego e arrogante. Para quê tanto esforço e gastos financeiros, muitas vezes infrutíferos, quando há tanta criança esperando que alguém os aceite e a quem possam chamar pais.
E se vamos falar de Amor... Será que apenas uma criança do NOSSO SANGUE, filha da NOSSA CARNE, poderá ser amada? Quando não, mais tarde servirá apenas de peão de jogo nos esquemas cruéis de casais para quem a paixão se esfumou e entraram em rota de separação conflituosa. Aí já o "amor" é também usado como arma de arremesso.

Continuamos a ter uma visão tão egocêntrica da vida.

Não haverá já suficientes crianças no mundo? Crianças que precisam de afecto, de famílias que as acolham e as amem? Crianças que necessitam de um lar saudável, onde cresçam tranquilas e aprendam que o mundo é um lugar fiável... Desculpem, estou a delirar! O mundo um lugar fiável?!

Posso ter uma visão muito fria e calculista do tema, mas não consigo entender como se podem gerar, de consciência tranquila, mais crianças, quando não somos capazes de dar uma vida digna às que já existem.

"Longe do olhar longe do coração" diz o provérbio popular. E talvez o provérbio esteja certo. Encarceradas em instituições oficiais de acolhimento, essas crianças estão demasiado longe do olhar, logo dos corações.

É com tristeza no coração que hoje te deixo o meu abraço de amizade.
Salutas!

SILÊNCIO CULPADO disse...

ManDrag
As crianças são de quem as ama e lhes dá amor. Há pais biológicos que não amam os filhos. Temos exemplos desses todos os dias.Mas também há pais que as entregam para que outros lhes proporcionem os cuidados e bem estar de que eles estão privados. E é, em relação a estes últimos, que deveria haver um olhar diferente que levasse às condições necessárias para que criassem os próprios filhos.
Também não concordo com a obsessão exacerbada em ter um filho biológico recorrendo a métodos, alguns verdadeiramente aberrantes, quando há tanta criança a precisar dum lar que as proteja.
E aqui põe-se uma outra questão: se quem adopta deverá fazê-lo sem escolher a criança, também não deverá ser alvo de discriminações com base em estado civil, etnia, orientação sexual e daí por diante.
A realização através do amor é o único objectivo que justifica a nossa existência.


Abraço

Anónimo disse...

Boa tarde

Sou pai biológico e adoptivo, e membro do grupo que redigiu a petição para o dia nacional da adopção.

Existem algumas coisas no seu texto que me levam a pensar que fala de cor, não conhece o problema por dentro e portanto repete algumas das coisas que a comunicação social diz.

Se bem que é verdade que existem em Portugal mais de 11000 crianças institucionalizadas, na realidade menos de 800 estão para adopção, As restantes não estão e dificilmente estarão, porque há muita gente neste país que acha por bem entregar os seus filhos para que o estado os eduque, depois basta aparecer ou telefonar para a instituição uma vez cada seis meses para que essa criança nunca vá para adopção, entretanto a criança passa a sua vida numa instituição e nunca sente o calor e o carinho de uma familia.

O facto de que os candidatos não querem as crianças mais velhas é uma meia verdade, conheço vários candidatos que estão dispostos a receber crianças mais velhas e continuam à espera.. .sem que a segurança social indique onde estão essas crianças mais velhas que ninguém quer.... é fácil deitar as culpas para os candidatos... veja bem, há perto de 4000 candidatos em espera para um universo de menos de 800 crianças...

Existem instituições neste pais de onde nunca saiu uma criança para adopção, instituições onde as crianças estão até serem adultas, será que alguém se pergunta porquê? O estado paga muito dinheiro às instituições por cada criança que está institucionalizada, sabia? e há instituições que não querem perder o rendimento.. há custa das crianças claro.

As motivações pessoais que levam alguém a querer adoptar variam muito, ainda há poucos dias estive com um grupo de candidatos em que havia pelo menos um casal que não colocava limites de idade.. o facto é que está há anos à espera, a culpa é deles?

Já agora, aconselho que viste este blog:http://nosadoptamos.blogs.sapo.pt

Jorge Soares