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A PARTILHA



Ensina cedo aos teus filhos que o pão dos homens é feito para ser dividido. (P. Carré)


É na partilha que o ser humano despe o seu egoísmo, se entrega e se constrói. É na partilha que abandona o seu natural egocentrismo e descobre a felicidade de ver outros felizes com a sua entrega.

Só a partilha é verdadeiramente generosa. Ela não dá o que sobra mas sim aquilo que mais valorizamos e a que nos sentimos ligados afectivamente.

A partilha deveria ser ensinada às crianças nas famílias e nas escolas. A partilha constrói a personalidade pelos valores que lhes estão subjacentes e que ensinam a distribuir riquezas sejam elas do conhecimento ou do lazer, da divisão justa do trabalho, da compreensão ou da afectividade.

As sociedades rurais, e todas aquelas para quem a sobrevivência era sinónimo de entreajuda, sabiam repartir nos rituais do quotidiano o pão, as colheitas, um pouco do seu tempo mesmo quando o trabalho duro deixava o corpo moído e cansado.

Paradoxalmente as crises, catástrofes e dificuldades tornam as pessoas mais solidárias. A procura do êxito nas sociedades de abundância tornam o homem um lobo solitário, ávido do seu saber e das suas conquistas que lhe darão poder e notoriedade. Torna-se selectivo nas suas dádivas que já não são partilha. Procura reconhecimento social nas suas entregas fáceis.

Ah, este homem já não tem dentro de si as suas origens. É um produto duma marca feita para ser vendável.

Se ele não sabe partilhar como pode ensinar os seus filhos a fazê-lo? Tão pouco o desejaria na sua procura da exclusividade egoísta que pensa conduzi-lo a um patamar diferente.

Sozinho e solitário talvez anseie uma mão pela calada da noite. E há quem se aproveite destas brechas da sua força para usufruir de alguns privilégios.

Sem a capacidade de partilha o fardo é bem mais pesado. Mas, cego à inconstância dos dias, o homem marcha, escutando o vento dos seus interesses, sem se aperceber que só é gente quando ama e que, para amar, tem que se despir desse individualismo em que sobressai no êxito e na queda.

Norbert Elias (Sociólogo alemão, 1897-1990), dizia na sua celebre obra A Sociedade dos Indivíduos que o isolamento das pessoas revela uma profunda conformação do indivíduo em relação às situações de refreamento de instintos, controle afectivo e mutação da própria personalidade. Tudo isso geraria um profundo conflito no interior do indivíduo, que passaria a achar que, “dentro” de si, ele seria algo que existiria inteiramente só, e que só depois se relacionaria com os outros “do lado de fora”.

Nesta perspectiva, e deste conflito, as sociedades ressurgirão cada vez mais anómicas e o drama individual, tenso e insustentável, emergirá em rota de colisão com os parceiros nos quais o indivíduo não se revê, não se entrega nem sabe se encontrar.

45 comentários:

mundo azul disse...

...sim! Quem sabe partilhar seus bens e suas emoções, tem muito mais condição de levar uma vida feliz...

Gostei muito do seu texto!
Uma bela mensagem, sem dúvida...


Beijos de luz e uma semana feliz!!!

Manuel Veiga disse...

excelente o texto. como sempre.

gostei de ler. muito.

abraçso

António de Almeida disse...

Nada a apontar, o individualismo existe desde os primórdios, a necessidade provoca associação de interesses, partilha com um objectivo comum, é um facto que os tempos modernos apontam mais para o isolamento, a valorização individual. Mas a partilha também será quase tão antiga quanto o individualismo, surge como forma de desenvolvimento e segurança de todos, procurando alcançar um bem comum. Nos tempos de crise ou dificuldade existe mais tentação em partilhar. São valores tão antigos como a Humanidade, mas dos quais nos esquecemos, ou pura e simplesmente não pensamos. Obviamente que a partilha dos tempos modernos apresenta outros contornos, tal como o individualismo, mas se levarmos o desenvolvimento dos conceitos ao limite, veremos que existem muitas semelhanças com o passado.

Teresa Durães disse...

por isso existe cada vez mais depressões. ninguém aguenta tanto isolamento

Dalaila disse...

par ti lhar - que seja dita de todas formas para que se entenda o verdaeiro significado

Anónimo disse...

Sem dúvida, as sociedades cominham cada vez mais para o isolamento pessoal. É difícil a partilha porque é difícil a comunicação.

Meg disse...

Lídia,
Curioso o título que deste a este post, porque - vais desculpar-me o àparte - me transportou para situações de facto... as partilhas.
Esses estados de guerra que se instalam quando alguém, por morte, deixa alguns bens a distribuir.
E porque estou num processo desses, abominável, onde vêm ao de cima os sentimentos mais mesquinhos e se revelam a mais indecente capacidade de trapacear.
E por aqui me fico, mas dizendo-te que ainda acredito na partilha pelos mais necessitados feita por aqueles que pouco mais podem. Mas acorrem.
Quanto aos mecenas, estamos conversadas.
Desculpa o desvio ao tema, mas...
Um grande abraço

Anónimo disse...

Excelente texto e fecunda lição.

São disse...

Minha estimada amiga, mais uma vez a tua generosidade e riqueza humana sobressaem nesta lição que nos ofereces.
Um abraço apertado,Lídia.

Anónimo disse...

Sábios conselhos!! Estamos presenciando pais criando seres egoistas, solitários e vazios. Há quem acredite ser mal do século! Boa semana! BEijus

mfc disse...

O mundo seria bem melhor se esses valores fossem vividos.

O Árabe disse...

Assim é, Lídia, e talvez um pouco mais além: só a partilha pode saciar as necessidades do corpo e da alma. :) Boa semana!

SILÊNCIO CULPADO disse...

Mundo Azul

Não há felicidade onde não há capacidade de entrega. A felicidade acontece com o desprendimento do ego e a procura da afectividade.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Herético

Obrigada pelo incentivo.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

António Almeida
Os tempos modernos apontam mais para a valorização do individualismo empurrando indivíduo para uma competitividade obsessiva que lhe traz solidão, angústia e desconforto. Aumentam os suicídios, o homem apela a religiões que lhe preencham os vazios da insatisfação. Não é mais feliz com os bens conseguidos nessa luta solitária durante a qual vai cortando raízes e semeando animosidades.
Há pois que reflectir porque o tempo é algo que não se pode dar nem comprar e, por isso, deve ser vivido com a tal sabedoria que é gratificante e traz grandes realizações.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Teresa Durães

Nem mais, Teresa. Ninguém aguenta tanto isolamento.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Dalaila
Há ouvidos que não ouvem mesmo que se diga de todas as formas.
Há pessoas que não sabem repartir porque ninguém repartiu com elas e ninguém lhes diz que no mundo que se procura melhor é preciso saber partilhar.
Vê Dalaila, por exemplo a partilha de ideias. Quanta intolerância em relação às mensagens.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

João Norte
É difícil a partilha porque é difícil a comunicação. Concordo, mas a comunicação também é uma partilha e as pessoas não comunicam porque não escutam apenas se querem fazer ouvir. As pessoas estão sempre a justificarem-se e a evidenciar o que têm e o que não têm, o que podem e o que não podem, a protagonizarem-se nas mais diferentes situações.
E assim se fecham as portas. E assim o isolamento se transforma no único companheiro.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

MEG
As partilhas a que te referes são partilhas como quaisquer outras. É que ao não sabermos partilhar os bens materiais e ao darmos asas a comportamentos poucos éticos estamos também a fechar a porta aos afectos.
A única pessoa com que me zanguei até hoje foi exactamente um familiar e por causa dessas tais partilhas. O que mais me doeu foi a desilusão afectiva que derivou de um determinado comportamento.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Anónimo

Seja quem fores, obrigada.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

São
Não é propriamente generosidade e riqueza humana mas o desejo de ser feliz o que só acontece em ambientes propícios.
Nestas sociedades em que se singra puxando os cabelos a quem vai à frente, as mãos estão sempre vazias e a alma insatisfeita.
Só a partilha é redentora.

Abraço

sideny disse...

lidia
As pessoas hoje em dia alem de nao quererem partilhar, acho que tambem ja nao sabem faze-lo.
vivem fechadas dentro delas proprias,nao querem ver a sua volta.
uma bela mensagem....
beijinho

SILÊNCIO CULPADO disse...

Luzdeluma

Há que conscencializar muitos dos pais de que os filhos não são instrumentos para se redimirem de muitas frustrações exigindo-lhes o que, muitas vezes, desejaram e não conseguiram. É preciso dar outra dimensão aos afectos ensinando filhos a melhorarem as suas competências respeitando o esforço que outros também fazem. E isso consegue-se através da partilha.
Quando o meu filho vinha do colégio, em alturas de Natal e outras assim, a dizer-me que era preciso dar algo às crianças pobres, eu dizia-lhe sempre que para a dádiva ser autêntica ele não deveria dar algo que já não quisesse mas sim algo que gostasse muito. Porque uma coisa que ele gostasse muito os outros também iriam gostar.
O meu filho tem hoje 30 anos mas nunca o esqueceu. Claro que com esta orientação de vida não posso dizer que tenha uma posição social de grande relevância mas acho que criei uma grande pessoa e isso orgulha-me muito.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

mfc

Depende de nós esses valores serem vividos. De cada um, da sua actuação no dia a dia. Basta querer.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Árabe

Só a partilha pode saciar as necessidades do corpo e da alma. Verdade, amigo, verdade.


abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Sidney
Há pessoas que ainda sabem e querem partilhar. Valha-nos isso. E tu és um exemplo gratificante para quem te conhece.
Temos que voltar a encontrarmo-nos.

Abraço

Compadre Alentejano disse...

Eu acho que o problema está ñão no partilhar, mas na impossibilidade de partilhar. É que a vida está tão difícil que, por vezes, é impossível partilhar o pouco que temos.
Abraço
Compadre Alentejano

SILÊNCIO CULPADO disse...

Compadre Alentejano

Desta vez não estamos de acordo. Há sempre algo que podemos partilhar nem que seja um gesto ou uma palavra.
E depois aqueles que menos têm são sempre os que mais são capazes de abdicar do pouco de que dispõem a favor de terceiros.

Abraço

contradicoes disse...

O individualismo cresce
cada vez mais nossa sociedade
muita gente não se compadece
com as gritantes desigualdades

Um abraço
Raul

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
O pior nas gritantes desigualdades é que quem tem pouco tem cada vez menos num patamar que já não dá para sobreviver com dignidade.

Abraço

FERNANDA-ASTROFLAX disse...

Olá querida Lídia, texto belíssimo como é apanágio deste espaço... Abri outro blogue de poesia mas sem rima espero que gostes , é este que te estou a postar...Obrigada!
Beijinhos de ternura,
Fernandinha

SILÊNCIO CULPADO disse...

Fernanda

Obrigada pela visita. Irei conhecer esse teu espaço.

Beijos

Odele Souza disse...

Partilhar o pão, partilhar o amor, a emoção. O individualismo só leva à solidão.

Querida Lidia:
Obrigada por me chamar a atenção para o fato de que o post anunciado no feed de teu blog não era o verdadeiro. Fui checar agora e o Blogger me dá a seguinte mensagem: "Não há feed para este blog." deve ser algo nas tuas configurações que impede que teus posts mais atuais sejam lidos pelos feeds. Já tive outros casos além de teu blog.
Retirei então o teu blog daquela lista que mostra os posts mais atuais, e o devolvi para os favoritos.
Não é nada grave, e as visitas serão feitas no esquema antigo, sem que seja necessário ver qual é teu post mais atual.
Obrigada por me avisar.

Grande abraço.

Visite www.arteautismo.com disse...

Lídia minha querida amiga.
Partilhar é o que voce tem sempre feito aqui neste blog.
Partilhas tua experiência, teu amor e solidariedade.
Quando chego aqui sinto o verdadeiro significado de partilhar, vendo como voce trata e cuida dos seus amigos
Aprendo muito com voce!
Obrigada Lídia por partilhar tanta coisa bonita , obrigada por tua amizade!
Um beijo com muito carinho.
Ray

Carminda Pinho disse...

Lídia,
partilhar... emoções, afectos...gosto.

Beijos

Zé Miguel Gomes disse...

Eu acredito em solidariedade e em tudo o que de positivo isso traz... Acredito...

Fica bem,
Miguel

Anónimo disse...

Gostei de ler este teu texto sociológico.
Individualismo ou colectivismo?! Nada é linear. Sou um adepto confesso da partilha e da abertura aos outros. Por isso sempre gostei de desportos colectivos e não individuais. Mas participar em coisas colectivas requer um mesmo interesse, mesmo que com diferentes visões, que sejam discutíveis e saudáveis. Quando isso não acontece prefiro a frase: "Antes só que mal acompanhado"|
E depois há sempre algo que podemos desenvolver em prol dos outros.
Mas o mundo só evoluirá, verdadeiramente, se caminharmos de mãos dadas.Talvez nas calendas...
Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Odele Souza

Seja o que for que nos separe devemos sempre procurar o que nos une.Por vezes depois de escalarmos vários muros que nos separam de alguém, encontramos uma ponte que se mantém firme atarvés dos anos.
Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Ray
A partilha não é um acto individual e se o faço é porque há quem o receba. Tu fazes parte dos meus amigos dilectos, daqueles que dão sentido à vida e nos fazem acreditar que tudo é possível.
A forma como iterages e lutas por Filipe merece ser conhecida e divulgada. É uma luz para quem não acredita.
E havemos de encontrar uma forma de pôr em marcha esse teu projecto de empregar o Filipe num trabalho em que ele se realize e seja reconhecido.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Carminda Pinho

Que será de nós se não houver um espírito de partilha?


Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Miguel

Gosto das pessoas que acreditam na solidariedade. Juntos seremos mais fortes.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Mário Relvas

"...o mundo só evoluirá, verdadeiramente, se caminharmos de mãos dadas. Talvez nas calendas..."
Não sou pessimista e, apesar de tudo acredito nas pessoas mesmo naquelas que, numa circunstância ou noutra, me decepcionam. Acho que se todos fizermos um esforço acabaremos por caminhar juntos porque todos queremos o mesmo: ser felizes e uma palavra ou um gesto de ternura.

Abraço

O Profeta disse...

Tem a palavra sábia à janela da alma...

Doce beijo

SILÊNCIO CULPADO disse...

Profeta

Que a poesia nos conduza a uma maior solidariedade ensinando-nos a sentir e a sonhar e a partilhar desses sonhos e desses sentimentos.

Abraço

Anónimo disse...

não pode ser só para parecer bem, tem que ser genuíno... o nosso povo, com todos os seus defeitos, tem grandes gestos altruístas, quando o motivo é justo e grande...
a nível individual as coisas mudam de figura, mas talvez um dia a forma de encarar quão importante é ser solidário, a entreajuda...será certamente um outro estádio do ser humano.
beijo