O rio transbordava e a sua corrente era de tal maneira forte que o escorpião jamais se atreveria atravessá-lo. Porém, no sítio onde se encontrava, eram escassas as suas possibilidades de sobrevivência. Só um animal habituado a lidar com a corrente poderia salvar o escorpião. Mas quem se atreveria a confiar nele? O escorpião medita e percebe que só um milagre impedirá que esteja perdido.
Nisto o escorpião vê uma rã que se prepara para atravessar este caudal violento e, na sua aflição, não hesita em pedir-lhe socorro. A rã acede sob condição do escorpião respeitar o seu gesto altruísta e não a ferrar com o seu letal veneno. O escorpião aceita o pedido da rã, mais que legítimo, e monta-se sobre o seu dorso podendo assim atravessar o rio.
Porém, já perto da outra margem, o escorpião cravou o ferrão na bem-intencionada rã que em voz débil lhe perguntou: “Como foste capaz de me fazer isto depois de tudo o que eu fiz para te ajudar? Não vês que vou morrer?
O escorpião fita a rã e diz-lhe: “Que queres? Está na minha natureza!..”
Há mais de 3.000 anos que Esopo escreveu a fábula da rã e do escorpião e, há mais de 3.000 anos, que esta fábula é reeditada nas diferentes memórias pela profundidade e aplicabilidade em muitas circunstâncias em que o ser humano sobrepõe os seus instintos primários a razões de ética e de amor ao próximo.
Ainda muito recentemente, e a propósito da polémica em torno de Guantánamo, foram identificadas situações de indivíduos que, uma vez libertados, retomaram as suas actividades terroristas em AL-QAEDA, por exemplo.
Eu própria me remonto à minha infância quando um dia perante a insistência duma garota pobre, com quem brincava, lhe ofereci um dos meus melhores vestidos que deixei que ela escolhesse entre os que tinha no meu roupeiro. Ela agradeceu-me e levou-o pressurosa para casa. Depois reuniu-se a mais uns garotos de rua e esperou-me num sítio por onde eu passava e deram-me uma tareia. Isto porque, segundo dizia a Carmo (assim se chamava a garota), eu tinha vários vestidos e apenas lhe tinha dado aquele.
Eu era criança e na altura senti uma mágoa sem limites que me marcou por toda a vida embora hoje até me dê com a Carmo e até compreenda o ponto de vista dela. Porém e apesar da mágoa, isso não me afastou daquilo que considero correcto.
Da mesma forma que entendo que Guantánamo deve ser fechada e que se deverá procurar uma solução digna para os prisioneiros que foram mantidos e torturados em claro atentado a todos os direitos humanos.
É que provavelmente entre esses prisioneiros houve e haverá aqueles que foram injusta e ilegalmente mantidos em condições desumanas só porque estavam no local errado e à hora errada. Alguns suicidaram-se e confessaram crimes que não cometeram por não aguentarem mais as torturas a que estavam sujeitos. E só por estes, ainda que estejam em manifesta minoria, se justificaria o encerramento de Guantánamo.
Mas pelos outros entendo que também se justifica e que há outras formas de combate mais justas e consentâneas com a nossa evolução.
Não defendo propriamente que tenhamos que fazer o papel da rã da fábula de Esopo, mas que a ingratidão dos outros não deverá ser entrave na procura de soluções mais correctas sem prejuízo dum olhar atento sobre a realidade que nem sempre corresponde às nossas mais profundas aspirações.
33 comentários:
Silêncio, isto acontece-nos todos os dias. Seremos rãs mas não menos importante é apercebermo-nos dos momentos em que estamos a ser escorpiões.
Um abraço escorpião e às vezes rã
Minha querida amiga.
O Zé infelizmente já fez papel de rã.
E se fiquei magoado? Sim, tanto tanto, que me arrependo do bem que fiz. E não foi assim há tanto tempo?
É a vida madastra....
beijocas
Que rectifique ; - Madrasta :-
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Lídia,
O mundo está cada vez mais cheio de escorpiões, por isso mantém-te uma rã, porque ao que parece são uma especie em vias de extinção.
Beijinhos.
100% de acordo contigo. Beijos.
Silêncio, reconheço na sua natureza a generosidade da rã.
Eu nunca sou rã.
Também jamais escorpião.
Tenho sempre a expectativa de mudar a natureza do meu escorpião.
Acho que possuo o antídoto para o veneno e insisto em trazê-lo para as minhas águas.
A vida é muito complicada. Em síntese, tudo isto vale dizer que não devemos deixar de ser quem somos, mas devemos desenvolver e fazer actuar as nossas defesas...
Um grande beijinho amigo
Maria
Pois é Amiga, ninguém muda a sua natureza.
E, quantas vezes o escorpião já nos bateu à porta?
Quantas vezes já nos sentimos terrivelmente magoadas por sermos traídas e magoadas por seres a quem, quando precisavam, demos a mão?
Ui, tantas... já nem me apetece contá-las!
Mas, a verdade é que nós cá continuamos, de alma limpa e cabeça erguida enquanto que esses cuja índole nos magoou ou atraiçoou continuam a trilhar o seu caminho de inveja e dor feito.
Mas, essa é a sua natureza!
Deixo-te um beijo amigo, com votos de uma semana feliz,
Maria Faia
Lídia,
Pois este é um momento em que os escorpiões proliferam e as rãs, naturalmente, têm tendência a desaparecer...
A picada do escorpião é mortal... mas as rãs são naturalmente ingénuas.
Bom texto, Lídia.
Um abraço
Por acaso também considero existir outra solução, uma vez que se declarou guerra ao terrorismo, considerar todos como prisioneiros de guerra. Tal estatuto proibiria a tortura, mas ficariam detidos até ao final da guerra contra o terrorismo, quando quer que tal aconteça.
Depois da primeira bofetada, eu não gosto de oferecer a outra face.
Não quero mal a ninguém mas não tenho espírito de mártir, porque há uns chico-espertos em todas as sociedades que se aproveitam da bondade dos outros.
Mas o teu post, como sempre, é muito bom. Faz-nos reflectir numa série de coisas e, no essencial, estou de acordo contigo.
Cara amiga, uma boa semana para ti.
Beijos.
Boa reflexão. Em todos nós não haverá um pouco de rã e de escorpião?
Deixei um prémio para si no meu blog.
Um grande abraço,
Maria Emília
Parece-me ser tudo uma questão de justiça: castigar os culpados , lbertar os inocentes.
Julgar também quem torturou, embora não se possa , infelizmente, condenar esses criminosos contra a Humanidade que são Bush, Aznar, Blair e , de certa maneira, Durão.
Para ti, minha boa amiga, um abraço terno pela ingratidão da Carmo.
Um belissimo texto que deve ser tomado como uma verdadeira lição de vida!
Adorei!
Beijos...
Lídia
Que Guantánamo encerre, ponto. Independentemente de todos os escorpiões que lá estejam, existe um direito que se sobrepõe a todas as outras naturezas, o direito a ser-se humano e tratado como tal.
Quem não consegue deixar de ser rã, auxilia na travessia do rio porque é isso que está certo...
coisas que também estão na sua natureza, e ainda bem!
Um beijinho
Lídia Soares
Gostei da história mas ainda gostei mais das conclusões que com ela tirou e com as quais aliás não poderia estar mais de acordo!
Escusado será dizer que gostei muito deste seu "cantinho" e sempre que puder passarei por cá!
Até à próxima!
Um abraço de Laura
mais uma vez a verdadeira faceta a vir ao de cima - torturas conhecidas mas nenhum país fala disso
Esta fábula sempre me impressionou muito!
É, infelizmente aplicável a tantas situações!
Haverá sempre que não compreenda a solidariedade, pela solidariedade.
O ajudar porque sim.
E haverá sempre, quem deixe a "sua natureza" falar mais alto.
bjo
Difícil de entender embora a explicação tenha sido clara. Os escorpiões proliferam por aí, as suas picadas são letais mas vale sempre a pena tentar contrariar a sua natureza mostrando-lhes que ser grato é muito bonito.
Bem-hajas!
Beijinhos
Isso já me aconteceu. Ajudar certas pessoas, resolver até situações graves,e na primeira oportunidade, "ferram o galho".
Por isso, e pela minha parte, o altruísmo morreu!
Um abraço
Compadre Alentejano
Silêncio, parabéns pelo belíssimo texto tão replecto de realidades.
Por vezes é complexo lidar com o ser humano... e o teu texto, é uma
ptova do que senti a ler.
Obrigada pela visita.
Beijos.
Lídinha, minha amiga querida, de coração te venho agradecer a belíssima mensagem com que me presenteaste em 21 de Abril!
O meu abraço apertdo!
Linda, te venho pedir que recolhas a tua prenda no Compagnon-de _Route.
Noite serena para ti.
É verdade, Lídia!
Quantas injustiças não são perpetradas, além de Guantánamo que é gritante, simplesmente porque a máquina do Estado não procura se humanizar?
Amiga, há premonições que salvam vidas, eu acredito firmemente nessa "outra realidade".
Obrigada pelo carinho da sua maravilhosa presença!!!Bjsss
Olá Lídia,
"O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons."
Martin Luther King
Olá Lídia,
"Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela."
Albert Einstein
Bom dia, Lídia!!!
Sobre o texto, "A FÁBULA E A VIDA".
Quem tem índole ruim, mais cedo ou mais tarde acaba mostrando o que realmente é.
Um grande beijo, amiga,
Angela
Acho que não é um simples escorpião ,mas um escorpião rei!O mundo esta cheio deles!
A natureza humana nem sempre é bonita de se ver, e o bem nem sempre é aceite como tal, por vezes tomam-no por fraqueza, e tudo porque a verdade e a palavra terem perdido o valor que já tiveram no passado.
Cumps
Ninguém muda a sua indole apenas porque esteve ou deixou de estar preso. Quem pertença a um qualquer movimento, seja ele terrorista ou apenas de libertação, quando é preso e depois ganha a liberdade, torna-se mais cauteloso, mais camaleão, mas continua na mesma.
Nunca fui escorpião (Só no ascendente do signo, mas isso é outra história).
Um abraço
palavras sensatas e corajosas. as tuas...
beijo
Venho deixar-te um abraço.
Passarei por aqui com mais tempo para ler esta fábula.
Conheço a fábula...aplicável até hoje.
Sou a favor do fecho de Guantanamo, bem como a "celeridade de milhões de processos judiciais" para que não estejam presos inocentes que como dizes e bem "estavam no local errado e na hora errada".
Concordo contigo e subscrevo porque se não houvesse tantos escorpiões...o mundo seria bem melhor!
Façamos o que pudermos em prol do nosso semelhante aceitando as suas diferenças porque ninguém é igual a ninguém.
Um beijo
A história da Carmo é de uma ingratidão que só mesmo olhando pelos olhos dela se podia compreender minimamente, mesmo assim há o bem e o mal e todos podemos optar pelo bem apesar de ser mais difícil :S
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