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INCAPACITAÇÃO E DIREITO À VIDA



Parece óbvio que qualquer indivíduo, com uma doença ou deficiência incapacitante, tem esse direito legítimo de ter uma vida em que lhe sejam proporcionadas condições para que a possa viver.

Se folhearmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos lá encontraremos referências ao nível de vida adequado e aos direitos sociais, requisitos que muitos Estados consagram nas suas Constituições onde a Igualdade de Oportunidades é uma bandeira de progresso.

Na prática as oportunidades são poucas, e as desigualdades proliferam, quando se pretende competir com outra esfera da sociedade que tem nas mãos o poder e o privilégio de distribuição de oportunidades cada vez mais escassas. E se isso é sentido para quem tem competências e apetências para ir à luta, imagine-se os que, de uma forma ou doutra, estão fragilizados pela doença ou por qualquer outro tipo de incapacitação.

Sem pretender dotar de privilégios quem quer que seja, entendo que na faixa do mundo em que as pessoas lutam pela sobrevivência deverá existir uma nova forma de olhar para a criação de oportunidades. Se o desincentivo de vida acontece em quem perde o emprego ou não o consegue porque os lugares a que concorre estão previamente ocupadas e, frequentemente, por pessoas com menos aptidões e competências mas ligadas à esfera que pode distribuir empregos, imagine-se todos aqueles a quem a saúde atraiçoou e que se sentem à partida excluídos nessa luta competitiva pela realização.

E no entanto, entre aqueles para quem o mercado de trabalho está absolutamente interdito, há os que são dotados de valências às vezes acrescidas pelo sofrimento e pela necessidade de provar que afinal ainda são gente, ainda produzem e ainda amam como qualquer outro ser.

Mas como fazer prova desses requisitos num País que empurra e amachuca quem não tem a forma dos seus padrões?

E nesta faixa de desprotegidos incluo não apenas os doentes e os deficientes mas todos aqueles que, por diferentes razões dum sistema em que a pessoa humana personifica a sua capacidade de consumo, não têm condições para viver para além da sobrevivência.

Os recursos adequados à dignidade humana não estão apenas nos mínimos necessários a que alguém sobreviva numa vida sem qualidade nem motivações. Os recursos adequados à dignidade humana são aqueles que permitem que a pessoa contribua para sociedade em que se insere e com isso se sinta válida, identificada com os objectivos de desenvolvimento e motivada pela sua utilidade comprovada através duma ocupação/profissão. E são também os recursos obtidos que permitem algumas actividades de lazer necessárias ao equilíbrio físico e psicossocial.

Porque não há sociedades evoluídas que tenham sobrantes entre aqueles que querem contribuir para o seu desenvolvimento. Um desenvolvimento que só existirá quando as capacidades de cada um forem em pleno aproveitadas sem discriminações, sem conotações porque a vida e a morte não são sucessos dos nossos ideários mas direitos inalienáveis à nossa condição. Se a última é certa e garantida, não recusemos a primeira empurrando para uma espécie de antecâmara quem não consegue acompanhar o nosso passo.



37 comentários:

São disse...

Como muito bem dizes , todas as pessoas têm direito a viver dignamente.

Mas esta sociedade que se intitula tão evoluída tem crianças de rua, sem -abrigo e descarta impiedosamente os inválidos e os velhos.

Quanto caminho ainda temos pela frente, minha querida Lídia...

Um boa semana para ti.

Vanuza Pantaleão disse...

Amiga Lidia,
A tua inteligência aliada a uma percepção aguçada das moléstias sociais nos propiciam momentos únicos de lucidez. Tivesse poder, levaria teus textos a todos os pontos desse mundo para que todos se conscientizassem e tentassem mudar suas tortuosas mentalidades.
Meu pai era um homem que tinha uma deficiência leve em uma das mãos onde lhe faltava um dedo, não de nascença, mas por picada de cobra na infância. Foi um autodidata a vida inteira, de tudo sabia um pouco sem que tivesse estudado o suficiente e, em função disso, fez questão de proporcionar as melhores chances aos filhos, conseguiu. Muito inteligente, trabalhador, honestíssimo, acordava cedo e morreu ao voltar do trabalho no sítio que possuía. Se aborrecia com o fato de ir a médicos, fazer exames. Não foi um santo, mas foi um ser humano acima da média. Por mais que fale, as palavras soarão inócuas para descrevê-lo.
Uma Páscoa Iluminada como o seu maravilhoso coração!!!
Carinho enorme!

Mare Liberum disse...

A caminhada no sentido da igualdade de direitos e oportunidades é longa mas a esperança no tipo de sociedade mais igualitária continua a alimentar-me alguma vontade de viver.

Beijinhos

Bem-hajas, amiga!

Obrigada pelas tuas palavras.

Peter disse...

Infelizmente, no prédio onde moro, existem muitas viúvas idosas.

Ainda hoje encontrei uma. Tem uma empregada diariamente e outra que dorme em casa da senhora.

Tem dois filhos, um deles médico, que vivem em Lisboa, assim como tem netas já crescidas. Passam-se meses, anos (?) que não vejo nenhum familiar a visitá-la.

É o que nos espera, ou pior, algum "lar rasca", ou nem mesmo isso: a solidão total, por falta de meios.

sou...serei? disse...

Querida Amiga...

Já lá vai muito tempo mas...não esquecimento. Por isso aqui estou para comentar este teu post que tem o valor a que sempre me habituaste.

No mundo, cruel, em que hoje se vive, custa-me diferenciar as deficiências nestes ou, naqueles.
É certo que os deficientes, identificados, têm logo e muito distanciadamente, a oportunidade de usufruir de "direitos" sociais, completamente diferentes dos, não deficientes...se é que se poderá dizer "não deficiente". Sabemos que a vida que nos é proporcionada nos dias de hoje, tem aumentado o número de pessoas "deficientes", sendo que, uns "visíveis" e outros sem o transparecerem. Neste sentido, penso e amo a palavra "força" no seu ideal de uma mente que permita "o não perdermos o norte" sabendo que não somos inaptos, com excepção para os infelizmente inaptos, pela sua gravidade. Mas...até esses em estado muito crónico, têm o direito, enquanto vivos, de lutarem pelos seus interesses, baseados no prazer de viver e serem úteis...à sua maneira e possibilidade. A força...força... a vontade...vontade...o amor...amor...o direito de igualdade enquanto Ser de olhos bem abertos e brilhantes.

até

Mar Arável disse...

A luta continua

bjs

LopesCaBlog disse...

Ainda temos um longo e tortuoso caminho pela frente :S

Zé do Cão disse...

Minha querida amiga.

Serei cruel talvez.
Não acredito, que temos um longo caminho pela frente, no bom sentido.
Têm sim, os deficientes um longo caminho a percorrer cheio de desilusões e injustiças até que a morte os leve.
Beijocas

vieira calado disse...

Siga na sua luta!

Mesmo que os insensíveis dos governos façam orelhas mocas.

Um dia alguém há de ouvir!


Beijinhos

Maria Faia disse...

Cara Amiga,
Concordo inteiramente contigo.
A este propósito, e porque os meus ouvidos já começam a cansar-se de tanto ouvir falar em crise, escrevi hoje uma postagem sobre "Armadilha da Globalização".
Porque os cidadãos têm que estar primeiro, todos temos que reflectir e, responsavelmente, participar, nem que seja somente com a nossa voz ou palavra.
Digo responsavelmente porque, infelizmente, vê-se por aí muita gente levantando a voz contra políticos e políticas mas que, afinal não quer outra coisa que não seja entrar nesse barco. Meros despeitados e frustrados aqueles que se sentem como melhores, únicos e valentes, não conseguindo enxergar a sua pequenez!
Nada como lutar sem pretensão!

Um beijo amigo com votos de uma semana feliz,

Maria Faia

Visite www.arteautismo.com disse...

Lídia,
se existe desigualdades para nós os ditos normais.Imagine para as pessoas especiais , que não têm seus direitos adquiridos?
Que estão a margem da margem para uma sociedade caótica e cega?
Esta crise nós pais de autistas e outros especiais , vivemos desde o seu nascimento, sem conseguir ver uma saída.
No meu caso, voce que nos conhece, sabe que foi grande a luta para Filipe conseguir se expressar na arte. E apesar de eu divulgar sua arte, conseguiu ele com todo seu esforço , ganhar um emprego onde possa se integrar a esta sociedade com sua pintura?
Quem olha para um autista que pinta?
Lídia , eu só queria ver o meu filho ter a mesma oportunidade que todo mundo tem.
Seu ego fortalecido ia impulsiona-lo para frente , para o praser de ter sua arte encaixada no mercado .
Como mãe sigo com minha mensagem , como se ela estivesse dentro de uma garrafa jogada num mar aberto, sem nenhuma ilha ou terra que possa aportar.
Que um dia alguém possa encontrar a garrafa e entender a mensagem.
Um beijo com carinho para ti amiga querida!
Ray

alex disse...

Lídia!
Todos as pessoas deveriam ter as mesmas igualdades de oportunidades.Mas isso nesta sociedade de capitalismo selvagem não acontece .Marginaliza-se o deficiente ,o idoso e todos aqueles que não se encaixam nos padrões desta sociedade.
Quem me dera acreditar que estamos a caminhar para evitar tais descriminações.
Mas sinceramente já perdi a esperança.
Se as águas fossem iguais para quem acaba de nascer....

beijo

Meg disse...

Lídia,

Acho esta tua reflexão sobre a exclusão muito pertinente.
Mas ao ler os comentários, fiquei sem nada para dizer... o Peter disse por palavras dele, o que eu penso e temo.
Acho chocante o que se passa com os mais idosos numa sociedade em que nem os próprios filhos ou parentes mais próximos - ainda que bem colocados na vida - prestam a mínima assistência. E este é apenas um dos muitos casos de exclusão, mas que para mim é criminosa... simplesmente criminosa.
Apesar de, teóricamente estarem protegidos pela lei, qual é o pai ou a mãe que vai obrigar (exigir) um filho a ter um comportamento HUMANO?
Triste, muito triste!

Um abraço

António de Almeida disse...

Como sabe acredito pouco nos apoios e subsídios, e muito na iniciativa. Julgo que o ensino especial tem muito a oferecer às pessoas portadoras de invalidez, porque embora tenham alguma deficiência que as torna menos válidas numa determinada área, por vezes são portadoras de excelentes atributos noutras, que estimulados as tornam tão válidas como qualquer outra pessoa. Há muito por fazer neste campo, da remoção de barreiras físicas, às outras...

Fatyly disse...

Subscrevo na integra o teu post...e ainda temos um longo caminho a percorrer neste mundo do descartável.
Ainda sou do tempo em que os deficientes eram enclausurados em casa ou lares, porque a família tinha vergonha de os mostrar à sociedade.
Recordo que quando caiu "a cortina de ferro" o horror que foi mostrado ao mundo dos inúmeros hospitais ou hospícios(?) onde se misturavam bebés a velhos.

Recordo-me da ditadura e das suas consequências e lutei, lutámos até à exaustão por um futuro melhor.
Evoluimos muito mas não o suficiente para descansarmos e com a actual crise mundial, sobretudo os mais novos se não baixarem os braços e se não fizerem frente "aos oportunistas empregadores e governamentais"...jamais se fará algo em frente.

O pior é conformismo, cinzentismo e baixar de braços numa de...valerá a pena ter esperança e lutar por? claro que sim!

O Árabe disse...

Assim é, Lídia. Triste estágio evolutivo, este que penaliza as minorias e os indefesos. :( Boa semana, amiga!

Compadre Alentejano disse...

TODOS, independentemente do seu grau de deficiência, tem o direito a uma vida digna, como diz a Constituição da República Portuguesa. Mas o sr.Sócrates não cumpre, deleitando-se a retirar os poucos apoios e regalias que os deficientes tinham...
Pode ser que um dia ele preste contas...
Abraço
Compadre Alentejano

Nilson Barcelli disse...

Havia uma Lei (ou DL) que obrigava as empresas a ter nos seus efectivos uma percentagem de pessoas deficientes.
Não sei se ainda está em vigor, mas na altura, mais de 3 ou 4 anos depois de entrar em vigor, lembro-me que as empresas não queriam saber em cumprir a lei...
É um exemplo de como os portugueses, de um modo geral, se estão nas tintas para os outros.
Excelente post cara amiga (mais um).
Boa semana e Páscoa Feliz.
beijo.

sideny disse...

Lidia


Desejo-he uma boa Pascoa

Para si e para os seus.

jinhos

Teresa Durães disse...

é um direito à vida digna que muitas vezes os médicos esquecem

- são efeitos secundários

e não podem ser ultrapassados?

- tem de esperar

e os meses aceleram sem as melhorias desejadas

infelizmente tenho prática no assunto e continuo a revoltar-me

Teresa Durães disse...

e com essa revolta ainda vejo o estigma nos olhares dos outros

. intemporal . disse...

______________________________ e

porque o tempo é de reflexão

____________ faço uma p.a.u.s.a.

no efémero dos dias [...]

e deposito aqui votos de uma Páscoa feliz e amplamente renovada.

____________ um a.b.r.a.ç.o.

a.p.e.r.t.a.d.o.

e tão breve serei outra vez presença, com amizade e devoção

[...]

______________________________ .

Mina disse...

Lidia
Já por aqui tenho passado, mas é a 1ª vez que comento, já percebi que é uma pessoa de causas e valores.
E por que esta é tambem uma das causas por que mais me debato, não pudia passar em silêncio, e não lhe dar os parabéns pelo trabalho e divulgação que vai fazendo, dos cidadões , mais marginalizados pela sociedade, procurando dar-lhes voz e visibilidade.
Ser diferente ou ter uma "deficiência", não é sinónimo de ser incapaz para tudo, há que dar oportunidades de mostrar e de apoiar as capacidades. Para não me alongar mais e poder relacionar, concordo com a amiga Ray, na procura de integração dos nossos filhos. Eles não são inválidos, precisam de estimulo para seguir em frente.
Uma sociedade só pode ser justa, quando houver igualdade de oportunidades...
Bjocas

Manuel Veiga disse...

excelente e oportuno texto. como sempre.

tens completa razão - pois não há sociedades evoluídas com pessoas "descartáveis".

abraço

Mª João C.Martins disse...

Lídia

Mais um excelente texto seu sobre algo tão importante, algo que está tão próximo da vida de todos nós. Ás vezes bem ao nosso lado, outras vezes mais perto ainda, à distância de um segundo apenas!
É inevitável, tomar consciência de que a incapacidade: temporária ou definitiva, parcial ou total ,é uma realidade possível a qualquer Ser Humano, em qualquer momento.
A Pessoa Humana, enquanto tal, possui uma dignidade que lhe é própria, independentemente da sua raça, sexo, idade, religião ou capacidade. Nunca se deixa de ser Humano, em momento algum, em nenhuma circunstância. Nasce-se, vive-se e morre-se sendo Pessoa com direito à dignidade.
Ocultar, desprezar, esquecer ou ignorar este direito em qualquer momento da vida de alguém, é por si só um acto desumanizante. Algo em que todos devemos reflectir bem, se quisermos impedir o mundo de se transformar definitivamente numa selva!

Como sempre... gostei muito de a ler!

Um beijinho

Anónimo disse...

Lídia, não é à toa que a declaração dos direitos humanos é universal - os problemas sociais são iguais em todas as partes do mundo, gerado, lógico, pelo próprio homem e não resolvido pelo mesmo. Diria que é bem satisfatório para alguns, pois estão lucrando com a desigualdade. Feliz páscoa!! Beijus

fa_or disse...

Infelizmente, o mundo parece ser construído à medida dos "perfeitos", que o não são, de todo! Quem faz o mundo, vai-o fazendo à sua imagem e semelhança. Não somos todos culpados?

Deixo votos de uma Boa Páscoa!

Beijinhos

Susana Falhas disse...

Lídia: Tenho três selos para ti no meu cantinho das Aldeias Históricas(www.aldeiashistoricasdeportugal.blogspot.com). Quando puderes passar por lá, podes recolhe-los.
Com amizade, Susana

PS: Uma Páscoa Feliz!

martelo disse...

esta "mania" quase compulsiva que alguns têm de se preocupar com os outros...

um abraço

Anónimo disse...

HÁ IMENSO TEMPO QUE NÃO LEIO NADA DO QUE ESCREVES... MAS,CHEGOU O MOMENTO...

Tema profundo e muito real, numa sciedade que diz- se evoluída... será?

DESEJOS DE UMA FELIZ E SANTA PÁSCOA.
beijos

Anónimo disse...

UMA
SANTA
E


FELIZ
PÁSCOA.


BEIJOS.

ROQUERHUNTER disse...

Informo que está sob vigilância atenta do ROQUERHUNTER.

Zé do Cão disse...

A melhor Páscoa do Mundo para esta amiga do coração.

Beijocas

lua prateada disse...

È amiga quanta razão por tanta injustiça,nós sabemos e até debatemos mas onde chegamos??não se sabe mas pelo menos temos consciência de que lutamos e se nada acontece é porkque nada acontece...
passei para deixar o desejo de uma Páscoa Feliz e, que o sangue que o Nosso Jesus derramou para nos salvar NUNCA seja em vão que saibamos todos reconhecê-lo como nosso SALVADOR !....
Beijinho com carinho.

SOL

Marta disse...

Parabéns por esta reflexão. Saio de alma lavada. Mesmo. obg.

Ângela disse...

Feliz Páscoa, Lídia.
“Que este nosso pequeno mundo
Virtual nesta páscoa seja cada vez
Mais humano.”
Ângela.

Oliver Pickwick disse...

Artigo oportuníssimo, querida Lídia! De fato, a teoria na prática é outra. E vivemos em um mundo - pelo menos no que refere-se a maioria das nações, onde os fracos não tem vez. Entenda por "fracos", os deficientes e doentes que mencionou; aqueles com mais 40 anos (sic); e, em muitos contextos, negros, gordos, índios, ciganos, feios.
Foi precisa quando escreveu que a canalha no poder estabeleceu padrões.
Resta-nos aguardar a ira e o clamor dos fracos em determinado momento, os quais, no contexto mundial, são maioria. E de turbas ensandecidas, a História está recheada de exemplos.
Um beijo!