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UM SOCO PELA MANHÃ



* Imagem retirada da net

Sempre defendi que devemos ajudar quem precisa e nunca aceitei o argumento de que o embuste, inerente a certas necessidades, fosse argumento para esconder as minhas mãos. Claro que não posso ajudar todos nem sequer muitos. Mas há sempre alguns que me tocam à campainha, e são sempre os mesmos, conhecidos na gíria entre os meus amigos como os meus “clientes” e a quem dou uma pequena ajuda independentemente de saber que dois deles são toxicodependentes.

Como dizia o grande Sousa Martins “Antes enganar-me dando uma moeda que vá alimentar o vício, do que negá-la a quem dela precise para alimentar a fome.”

Porém tenho “clientes” certos e não admito aumentar o número que estabeleci como meu limite.

Por volta das 9h-00m oiço a campainha e entreabro janela. Quem tocava não tinha ar de pedinte bem pelo contrário poderia ser tomado por quadro aposentado duma grande empresa. A camisa de xadrez vermelho e creme, com calças cremes tudo de boa qualidade e impecavelmente limpo, os cabelos brancos tratados, os sapatos de cabedal castanho luzidios, nada levava a supor que era um pedinte mas de facto era-o.

Os olhos azuis tristes e suplicantes, a voz educada e terrivelmente rouca, deixavam passar o drama duma vida que deslizou do alto para as dificuldades de sobrevivência. Disse-me que o dinheiro era para comprar remédios.

Podia ter dito outra coisa que, subitamente, senti que o sol era frio e despejei nas suas mãos o que tinha na carteira e que por sinal era bem pouco.

Agradeceu-me e desculpou-se. Na rua a sua figura alta e esguia tentava em vão ficar erecta. Os passos pesavam a cada porta.

O fim duma vida provavelmente de trabalho, provavelmente de sonhos e oportunidades perdidas. Mas não se confundia com um mendigo. Nem os meus cães lhe ladraram como costumam com os outros pedintes.

Quem pudesse acabar com a caridade que obriga a pessoa a inclinar-se quando estende a mão e devolver a dignidade ao sol poente e a quem nele caminha...


30 comentários:

Odele Souza disse...

É mesmo um "suco"querida Lidia, ver um homem como este que aqui descreves, que bem poderia estar vivendo o merecido descanso de uma aposentadoria, mas que o que lhe falta o faz estender a mão para pedir compaixão.
Tua descrição me faz imaginar esse homem de"olhos azuis tristes e suplicantes" e dele também me compadeço.

Deixo-te um forte e carinhoso abraço.

Marreta disse...

Pois, parece que a "crise" já não diferencia gravatas de calças rotas. Para quem tenta enganar e/ou enganar-se com estatísticas rafeiras a prova dos nove surge diariamente mesmo à nossa frente.

Saudações do Marreta.

Elvira Carvalho disse...

É amiga até eu fiquei triste e não vi o senhor. Imagino a tristeza e a vergonha que lhe vai na alma.
Um abraço

Milu disse...

Recordo-me que há muitos anos, nos meus tempos de criança, a minha mãe costumava dar esmola a dois mendigos, que por ali andavam a bater às portas. Por vezes levavam sumiço, depois, num dia qualquer aparecia um, uns dias mais tarde aparecia o outro. Era por vagas! Mas a minha mãe de pouco lhes podia valer! No fundo, era um pobre a dar a outro pobre! Dava-lhes um naco de pão! Também cheguei a vê-la a colocar-lhes na mão uma moeda de 20 centavos! Fazia sempre questão de lhes oferecer um prato de sopa, oferta que sempre declinavam! Como eu os entendia! Aos meus olhos de criança, a sopa da minha mãe, não era pitéu que se desejasse!Quase sempre feijões, umas vezes com couves, outras com massa, outras vezes com arroz, que de tanto abrir na cozedura, dava à costumeira sopa uma aparência de entulho! Quantas saudades tenho agora dessa sopa, que na minha meninice tanto detestava! Porém, o que mais me impressionava não eram os pedintes a estender a mão para pegar o pão, era antes, a cara que a minha mãe ostentava - de tristeza e pesar infinito! Porque é triste, ter de esmolar para poder viver!
Pelo que me é dado observar, nos últimos tempos tem surgido uma nova forma de pobreza, já não é tanto o não ter para comer, que para isso já existem os rendimentos mínimos e congéneres, e organizações que sempre vão prestando ajuda com alimentos. Agora é muito mais a queda livre do nível de vida e a dificuldade em honrar compromissos, adquiridos em tempos de bonança.
Um abraço.

Anónimo disse...

"Miséria é miséria em qualquer canto,
riquezas é que são diferentes."
Abrs.

Fatyly disse...

Triste, bem triste estes "socos" que levamos cada vez mais e a qualquer hora, perante os quais, tornamo-nos impotentes!!!

Beijos

Teresa Durães disse...

há tanta pobreza...

Paula Raposo disse...

Este tipo dee socos magoa cá bem no fundo de nós. Beijos para ti.

Unknown disse...

A majestosa igualdade das leis, que proíbe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão ...

Abraço.

Barbara disse...

Talvez não tenha sido um soco.
Você não se prendeu a aparências e pelo texto, não se prende a julgamentos.
Não, não foi soco.
Foi uma pétala caída.
Admiro-te.

Marta disse...

Doí!
Mas, ao menos, que haja sempre alguém que olhe como tu!

Zé do Cão disse...

Silencio. Minha amiga, será que sofremos do mesmo mal.
Até me arrepia...Eu sei que nas bilheteiras dos comboios, há uns "malandrecos" a pedinchar por vicio.
Mas, já encontrei..alguns com tanta aflição que resolvi pagar-lhes o bilhete pela totalidade. E não é, que por vezes o bilhete desejado é de preço superior ao meu.
Não esperamos nada em troca, mas pelo menos ficamos aliviados.

Beijocas

Susana Falhas disse...

Lídia:
Há muito que não parava por aqui...mas já vi que regressate de férias!

A aparência ilude, seja para o bem , como para o mal... É preciso engolir muito orgulho para se colocar nessa situação, de pedinte.

Bjs Susana

O Árabe disse...

Assim é, amiga. Quem dera, não viesse a necessidade arquear as costas de quem sempre as manteve eretas, em uma vida de dignos trabalhos! :( Bom resto de semana.

martelo disse...

Lídia,
quando alguem se "dobra" à força implacável do destino que lhe trocou as voltas sinto profundamente que a estrada desabou...
acreditando que esse personagem se encontra nesta situação, ele vive um dos maiores dramas do ser humano- a dignidade esvai-se.
Este é um dos maiores sofrimentos quando se lutou uma vida inteira.

abraço

Leonor Varela disse...

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+..*._/\_ .*. Meta: a gente busca*.* . _/\_ *
. +* >,"< * Caminho: a gente acha. * >,"< +
* , + .*. * . Desafio: a gente enfrenta*. * . *
+ _/\_. Vida: a gente VIVE*.* . _/\_ *. * . * .
* >,"< Saudade: a gente mata >,"< *.*._/\_
* . * . + Sonho: a gente realiza*. * . * . >,"<
* . _/\_ * Amigos: a gente CONQUISTA!* * .
. * >,"< + *._/\_ .*.,*.*. _/\_ *.*.*.*.*._/\_
.*+.*..*,.+* >,"< E... . * >,"< +. . .*.**>,"<
+..*._/\_ *. * . * . *.*.*.*.*.*.*.*.*.*.** . * .
. +* >,"< VOCÊ já me CONQUISTOU, * . _/\_
* , + .*. * portanto, conte comigo para*>,"<
+..*._/\_ .*. •buscar as metas; *_/\_.*.*.*
. +* >,"< * •achar o caminho; * >,"< + *.*.*
* , + .*. * . •enfrentar os desafios;.*.*.*.*.*
+ _/\_. •viver a vida;.*.*.*.*.* _/\_ ** . * . +
* >,"< •matar a saudade e...* >,"<* . * . +
* . * . + •realizar seus sonhos! *
(¯`v´¯) .:. *Bjocas no coração* .:.
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¸.•´¸.•´¨) ¸.•*¨)

Å®t Øf £övë disse...

Lídia,
Acho que este caso que nos relatas, retrata bem o drama em que muitas famílias estão a cair ultimamente. E o pior é que não se dislumbra uma luzinha que seja no fundo do túnel.
Beijinhos.

Vanuza Pantaleão disse...

Um sociedade injusta, perversa, má distribuição de renda, o poder nas mãos de poucos...muitos socos ainda levaremos na nossa sensibilidade.
Beijos, Lídia!!!

O Puma disse...

Sócrates tem as portas fechadas

Na verdade ninguem lhe pede nada

e fazem bem

exigem direitos

Mare Liberum disse...

Um soco no estômago, na alma, no coração. Arrepiei-me, amiga,embora conheça casos parecidos. A pobreza envergonhada está a ser obrigada a deitar mão à caridade enquanto há milhões de euros a desaparecer sem que os culpados sejam encontrados e severamente punidos. Vamos ser nós a pagar a crise.

E tanto que lutámos e lutamos por um mundo novo!

Beijinhos

Bem-hajas!

Visite www.arteautismo.com disse...

Lídia , me lembro de uma história real que minha me contava que aconteceu lá em Minas Gerais , onde nasci, era de certo homem acometido de Tuberculose que já não podia trabalhar na lavoura do fazendeiro. Morava com seus filhos numa casa de colono na fazenda. Como no podia produzir nem trabalhar, tornou-se um estorvo para seu patrão , que o despediu.
A única coisa que sobrou para comer era um pé de chuchu que dava muitos frutos. A esposa fazia chuchu cozido de todas as maneiras, até com leite, da cabra que tinham. O patrao então cortou este pé, para que ele fosse embora de vez . E ele foi , pobre e doente e sem dignidade.
Esta história nunca me saiu da cabeça , revejo-a quando vejo alguém muito necessitado. E tento também não ser como aquele malvado fazendeiro.
Somos todos irmãos, nínguém pede por acaso, o poder público a sociedade e as doenças podem nos tornar pedintes.
E o bonito e saber repartir....
Beijos minha querida Lidia.
Uma bom fim de semana para voce!
Ray

São disse...

Não sei que te dizer mais , senão que choro por dentro e que compreendo a tua sensação de frio...

Um grande abraço, Amiga .

Compadre Alentejano disse...

Uma história triste como há milhares em Portugal. Pessoas que tinham uma bela vida e que, de um momentop para o outro, ficaram na penúria, graças aos "bons" governantes que temos...
Abraço
Compadre Alentejano

Isabel disse...

abraço. pela dignidade. ou a esperança que ela subsista.



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.piano.

R.Almeida disse...

Realmente o teu texto faz pensar.
Achei uma certa graça, quanto ao aspecto do senhor e ao referires que não parecia um pedinte.
Realmente o nosso pensar e as "fardas", levam-nos a pensar (a alguns)que estar limpo e lavado é antónimo de pedinte ou de pessoa em dificuldades.
Outro aspecto não focado mas que é uma realidade é a pobreza envergonhada.Hà pessoas que passam mal mas que teimam em não o revelar.
No mundo cão em que vivemos (com todo o respeito pelos canideos)há quem deite fora alimentos que poderiam matar a fome a tantos seres humanos. Actualmente no nosso país já é comum vermos pessoas vasculharem os contentores de lixo procurando uma fruta um pouco tocada ou vegetais ainda aproveitáveis. E não me digam que é para a criação de galinhas ou porcos, como se quisessem ocultar o sol com uma peneira.
Assim vai o mundo....
Abraço

Nocturna disse...

É isso mesmo, é um soco que apanhamos quando olhamos à nossa volta.
O desemprego aumenta,e quando acontece que um casal trabalha(va) no mesmo local, de rente desabou-lhes a vida completamente. Os senhores do dinheiro, assim que lhes "cheirou" a crise, trataram logo de despedir trabalhadores aos milhares, sem esperar mais nada.
Estas são as Leis Laborais, que temos !
Mesmo quando podemos ajudar alguém, fica sempre o amargo na boca, por saber que é uma gota de água, dentro da necessidade que as pessoas têm.
Um soco, cada manhã, basta estar atento ao que se passa à nossa volta.
Um abraço
NOcturna

Zé Povinho disse...

Nem sepre temos a certeza de estar a ajudar quem realmente precisa, mas há quem nos fique na memória como pessoas que mesmo forçadas a pedir por questões de sobrevivência, continua a mostrar a sua dignidade e aprumo enquanto pessoas na verdadeira acepção da palavra.
O mundo é injusto, o destino não está muitas vezes nas nossas mãos, e a segurança social não funciona de modo exemplar, por isso dói pensar em casos destes, havendo a consciência de que muitos se escondem por vergonha.
Abraço do Zé

Mª João C.Martins disse...

Lídia

Quantas feridas... quantos socos.. deixam em nós esta dor que tão bem retratas aqui. Retalhos de vidas amarguradas, aniquiladas e despojadas de tudo o que lhes pertencia, o que era digno e lhes foi retirado.
Muitos já não sentem vergonha por pedir, outros têm de se forçar a isso, porque continuam a querer viver com dignidade... e é essa dignidade que lhes eleva o rosto para continuarem a seguir em frente.
Que nas nossas carteiras exista sempre algo que possamos dar a quem precisa. Quando tal não for possivel, que se acrescente mais água na nossa panela, para que quem tem fome possa comer connosco.

Um abraço

Vampira Dea disse...

Esse blog faz repensar. Parabéns.

Å®t Øf £övë disse...

Lídia,
Venho deixar-te uma força, e um beijinho.