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ESTIGMA E CONTEXTOS: QUEM DECIDE?


O estigma é uma postura punitiva que não aparece do nada. Ela existe, e é criada, a partir de determinados pressupostos que uma elite de poder entende aplicar de acordo com os seus interesses fragilizados, noutras ameaças, de que se protege apontando.
Os factos que determinam o estigma são dolorosamente subjectivos, e logo discutíveis. Só que quem é atingido raramente tem voz ou capacidade para os discutir.
A sociedade e o poder são feitos de incongruências.
Na guerra um soldado pode matar velhos, crianças e outros indefesos, e ser condecorado por estes actos heróicos que permitiram erradicar inimigos, reais e potencias, numa escala de valores patrióticos dos quais quem executou raramente teve a consciência. Porém, esses mesmos indivíduos, soldados do nada e da destruição, uma vez regressados do teatro da guerra, deverão despir-se das suas motivações bélicas e transformarem-se em cordeiros submissos.
É que se matarem alguém num acto de desespero, e na génese duma guerra que lhes tirou a alma, serão considerados criminosos e, por vezes, condenados à pena capital...
Também quando se fala em prostituição todos representam as prostitutas da rua e do bordel como se este conceito só se ajustasse a estas pessoas fragilizadas.
Todavia, se entendermos a prostituição como a prestação sexual em troca de um bem, logo concluiremos que vivemos em sociedades amplamente prostituídas em todas as suas vertentes. Não será prostituição aquele ou aquela que faz sexo com o parceiro, por vezes num contexto do abençoado matrimónio, só para ter segurança económica e social? Não será prostituição todos os lugares/cargos a que muitos ascendem envolvendo-se com as pessoas certas e utilizando-as nos mais diversos domínios? Não será prostituição todos os casos que acontecem, a todos os níveis, em que a cama é utilizada como trampolim de ascensão social?
Porém só a prostituta de rua é estigmatizada. Só a prostituta de rua paga a factura do estigma porquanto ao mais alto nível o dinheiro e o poder tudo apagam.
E os ladrões? Serão só os que roubam carteiras ou assaltam estabelecimentos? E quem dirige empresas e leva-as, dolosamente e em proveito próprio, à falência tirando o pão da boca a tantas famílias? Quantos usam e abusam de influências para atirar para as margens os mais capazes só porque lhe fazem sombra? Quantos se apropriam do que lhes não é devido, levando a sociedade a cobrir, com impostos que cobra aos mais pobres, a sua falta de ética? Quantos são condenados? Às vezes um ou outro para transmitir a falsa ideia que a justiça se cumpre e que até é igual para todos.
Veja-se nos U.S.A. de que classes são oriundos os indivíduos que passam pelo corredor da morte.
A construção do estigma não é pois inócua. Ela serve vários e obscuros interesses. Interesses de poderosos, interesses de frustrados que julgam os outros sob a teoria do espelho e apontam o dedo para se sentirem diferentes. Porque só os pobres e desprotegidas carregam o estigma de serem ladrões e são discriminados quando pretendem trabalhar, quando pretendem viver redimindo-se dos erros cometidos. Mas para estes não há remissão. O estigma está sempre lá e nada podem fazer para o apagarem de si. Porque é hipocrisia falar-se em inclusão quando se promove o estigma de forma inexorável.
Estes são apenas uns exemplos que citei entre muitos que poderia citar para que todos nos recusemos a sermos estigmatizados. A dignidade é de todos e para todos. Não temos que a mendigar. Apenas demonstrar que a verdade e a justiça só podem ser faladas a uma só voz. A voz que procura a compreensão e o respeito e jamais se levanta.
Quem acha que não merece o estigma, ou que o estigma não lhe diz respeito, que pare e pense: será que não?

11 comentários:

Zé do Cão disse...

Este texto dava para um exame de doutoramento.

o meu abraço

José Lopes disse...

O que dizer quando concordamos com tudo o que acabámos de ler? Assino por baixo, ainda que me sinta incapaz de o escrever tão bem!
Cumps

Pimenta disse...

Caramba.Aplausos.Muito bem colocado, e com um espaço em branco para que continuemos o raciocínio.
bjo
Parabéns.

Pata Negra disse...

É por estas que se diz que existem uns mais iguais que outros! Também quando chamamos filhos da puta a certos senhores não estamos a pensar na mãe deles e muito menos no seu comportamento sexual!
Textos de que tinha saudades!
Um abraço sem estigmas

Unknown disse...

Fantástico,parabéns.

Beijo.

Zé Povinho disse...

Um regresso que aplaudo.
Abraço do Zé

Mª João C.Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mª João C.Martins disse...

Lídia

Senti saudades. Sim, senti imensas saudades destes teus gritos, gritos a uma só voz. Olhares especiais de quem entende a tão proclamada "inclusão" como um acto eternamente inacabado.
Este texto tem um pedaço da minha alma apertada. No meu dicionário, naquele que é composto pelas palavras que sinto, não existe "inclusão", porque todos temos a mesma dignidade, sem precisar de a mendigar, como dizes. Dentro de mim e na minha vida, não existem exclusões. Existe sim o entendimento da diferença que nos caracteriza e da semelhança que nos aproxima, uns dos outros. Das oportunidades, das igualdades, das mãos que se ligam em inter-ajuda, do sufixo que somos, sempre, para aqueles que precisam, seja qual for a sua história, a sua situação ou condição.
Gosto de ti, Lídia. Gosto muito do que és e, nessa consciência, também eu ficaria bem mais pobre se não tivesse a tua amizade.

Um beijinho enorme e obrigada... por tudo, sempre!!

Susana Falhas disse...

E está tudo dito!

Bjs Susana

. intemporal . disse...

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. Lídia,,, .

. um bel.íssimo texto onde ouço perfeita.mente a Sua voz in.quietante e in.conformada .

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. um bel.íssimo texto que ao questionar acende simples.mente por Si só todas as sirenes que teimamos em manter silenciosas dentro das nossas cabeças .

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. sobejam sempre a quantidade dos dedos que temos prontos e ávidos para apontar .

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. porque dos mais "fracos" [?], reza também a perecível história dos mais "fortes" [???], que assim se envaidecem e assim se enfatizam .

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. sei do que sabe e sabe do que sinto .

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. e deixo.Lhe um beijo amplo e grato .

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. e substituo todas as interrogações pelas afirmações com que a aplaudo de pé .

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. paulo .

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Al Cardoso disse...

Os meus sinceros e humildes parabens.
Faz lembrar o outro que dizia se roubas uma carteira es um ladrao, se fazes um desfalque de varios milhoes e so "um desvio"!

Um abraco dalgodrense.