.



CRISE TOTAL



A crise está no centro de toda a comunicação. Parece não existir espaço para falar de algo que se alheie dela como se a crise económica fosse uma fome endémica e, subitamente, deixasse de poder haver vida para além da crise.

Mas há vida sim e novas formas de distribuição do tempo e do espaço. De repente as pessoas vêem-se obrigadas a reorganizarem os seus recursos e a encararem os consumos supérfluos sob um prisma diferente. Muitas tornaram-se mais autênticas, mais viradas para uma vida em que começaram a valorizar as coisas simples, um quotidiano de afectos das quais se deslocaram para acompanhar os requisitos dos consumos da moda.

Dizia-me há pouco tempo uma ex-colega de trabalho referindo-se à forma como educava a filha mais nova por comparação com o que fazia, há cerca de 15 anos, com a filha mais velha então com a mesma idade.

Com a primeira ela andava numa correria contínua para a levar a um sem número de actividades extra-curriculares como soía a moda na altura.
Carolina, transformada à força em menina-prodígio, cedo deu de si. Hoje vive revoltada e mal integrada, querendo tudo e não querendo nada nessa insatisfação permanente de expectativas goradas.

Já a Ana, aparentemente menos brilhante, dá passos certos e seguros vivendo as afectividades e sociabilidades com algum optimismo e uma força interior que lhe permite vencer obstáculos.

Este exemplo poderá ilustrar uma maior consciência das sociedades modernas, em torno dos seus problemas concretos, e, com ela, a recusa de estereótipos e comunicações manipuladas que servem impérios e corrompem almas mas que dificilmente trarão paz e qualidade de vida às populações que vivem do seu trabalho.

Questiona-se agora, com mais propriedade, as incongruências geradas pela crise económica, social, de ética e de valores, que é um todo indivisível. As liberdades ameaçadas pela pobreza extrema (e muitas vezes envergonhada) e pela insegurança de pessoas e bens irão impulsionar a procura dum paradigma de dignificação.

O individualismo exacerbado acabou vítima da sua irracionalidade aniquilando os seres que o sustentam e negando com isso o modelo cruel de pseudodesenvolvimento.

Não há cosméticas que permitam manter, com as actuais características, as economias de mercado do mundo ocidental. Por mais injecções de sobrevivência às instituições financeiras ou de fomento ao investimento público keynesiano, a continuidade do stato quo é o estertor dum ciclo absurdamente prolongado.




30 comentários:

FERNANDINHA & POEMAS disse...

QUERIDA LÍDIA, EXCELENTE TEXTO... COM VERDADES INEGUÁVEIS...BRILHANTE AMIGA... SUBLIMES PALAVRAS AS TUAS NECESSITAVAM SER LIDAS POR MUITOS SENHORES POLÍTICOS... E NÃO SÓ...ABRAÇOS DE CARINHO E TERNURA,
FERNANDINHA

São disse...

Lídia, para mim, amiga, a crise é de valores e nada mais.
Da falta de ética que adveio da não existência de um sólido quadro de referências surgiu este egocentrismo de ganância que nos prejudica a todos.

Uma feliz semana para ti.

fotógrafa disse...

Há crise, mas por demais badalada...acho que até certo ponto é bom, para desviar as atenções do que mal está por cá...
enquanto se fala da crise mundial...por cá vamos deixando outras crises para trás...
abraço e boa semana
obrigada pela visita

Oliver Pickwick disse...

Como dizia um antigo ministro da economia daqui: "a parte mais sensível do homem, é o bolso". Isto talvez explique os espaços dispensados à crise pela grande mídia.
Keynes foi um grande economista e pensador, não tem nada a ver com a ganância desenfreada e a busca de grandes lucros sem derramamento de suor que se estabeleceu nos E.U., Europa e alguns países asiáticos.
Você está certa, vivemos a agonia de um ciclo de grandes potências. Algumas se reerguerão, outras ficarão encolhidas para sempre. É a lei da História.
Faço uso de uma velha máxima, dita várias vezes pela minha avó: "quem pariu Mateus, que balance".
Um beijo!

Anónimo disse...

O que se espera é que mais "Anas" possam despertar do engodo induzido a que têm vindo a ser submetidos. Que finalmente ocorra um despertar concsciente para a realidade social em que estamos envolvidos e que a transformação possa ser efectiva e urgente.

Saudações do Marreta.

Agulheta disse...

Lídia! Acredito e vejo todos os dias alguma crise para alguns claro,para outros vejo desperdiçio e muita ganância e entre as quais de valores humanos e sociais.
beijinho

Compadre Alentejano disse...

A crise está aí, é real, embora alguns dizerem não a sentir...
Neste momento, ainda se vai vivendo com o cartão de crédito, mas quando ele acabar, é que vão ser elas!...
Espero que todos compreendam e, na devida altura, apliquem o correctivo que este governo merece.
Um abraço
Compadre Alentejano

Pata Negra disse...

Isto já nem é uma crise porque o conceito de crise implica a ideia que uma vez ultrapassada, a crise, as coisas retomam o seu curso normal!
Ora, neste momento, o que está a acontecer, é um crescendo de consciência colectiva de que se está perante a necessidade de uma viragem histórica e que, os protagonistas da acção que se exige não podem ser aqueles que nos conduziram aqui!
Um abraço de rejeição pelos poderes instituídos e de busca de novos revolucionários

Meg disse...

Lídia,

Curiosamente, e pela segunda vez em menos de 24 horas, faço minhas as palavras da São.
A grande crise é de valores, com tudo o que isso acarreta.
As pessoas habituaram-se a só olhar para o seu próprio umbigo e foi um fartar vilanagem.
Isto tinha de acabar um dia, e cá estamos nós TODOS a pagar a factura.

Um abraço

Manuel Veiga disse...

gostei muito do texto. inteligente e oportuno. e de uma clareza exemplar.

grato.

beijos

Anónimo disse...

Silêncio Culpado,

Nada mais voltará a ser igual. Urge uma reorganização dos pensamentos e das relações. A economia terá que se basear mais na realidade do que o que está nos computadores. O dinheiro dos bancos e dos estados começa a transparecer a sua virtualidade; até mesmo a sua inexistência.

"Tempo é dinheiro"... Foi-se.
Que tal? Tempo é viver.Tempo é semear e colher. Tempo é amor.

Não tenho dúvidas que Portugal precisa de inverter o seu ciclo de vida. É preciso cultivar os terrenos. Fabricar em Portugal para depois consumir, através de um comércio justo.

A avalanche de lojas, de marquitas e marcolas, que por aí apareceram como cogumelos, destruiu o tecido empresarial português, o comercio tradicional. A livre circulação de pessoas e bens, a importação sem regras de produtos orientais, fruto da sua falta de qualidade e exploração dos seus cidadãos, acabou por aniquilar a vidinha caseira. Pescas? Agricultura? Pagaram para as destruirem.
E agora que EUROPA nos resta?...
Será que com mai estradas, prédios, TGVs, aeroportos a situação irá mudar? talvez para pior... E quem vai utilizar isso? Com que dinheiro?
O povo vai comer isso?

Se juntarmos a isso tudo a falta de ética de alguns senhores que se arrastam por aí ao longo de décadas. A corrupção. O clientelismo...
Enfim. Temos um cocktail social em profunda depressão, em pré erupção. E reafirmo: isto ainda não é nada. As lojas fecharão. Os centros comerciais começam a comer-se uns aos outros. O franchising estoura.

A hora é má. Será ainda pior, mas é das crises que nascem as revoluções. Penso que não teremos outra hipótese que não olharmos o nosso planeta, a nossa terra. Teremos que passar a olhar de novo para o vizinho como um amigo de quem precisamos. Ao contrário do que se passava até agora: que carro é que ele tem? Ao outro dia lá estavam no Banco a contrair mais um empréstimo.

Isto é que vai uma açorda...

Saudações e um sorriso

LopesCaBlog disse...

Gostei do texto :)

O Árabe disse...

Belas colocações, Lídia! Pessoalmente, acredito que criatividade, trabalho e competência superam qualquer crise. :) Boa semana!

Teresa Durães disse...

e quando o subsídeo de desemprego deixar d eser viável, então vai tudo piorar

Nilson Barcelli disse...

Estás coberta de razão.
Relativamente à crise, o grande problemas são as alternativas e soluções possíveis.
Ninguém as sabe, e a crise pode demorar anos a passar... 5 ou mais...
Uma coisa é certa: os países mais desenvolvidos, incluindo o nosso, andaram anos (~ 2 décadas ?) a viver acima das suas reais possibilidades, isto é, acida da riqueza real que produziam...
É natural, por isso, que sem a especulação financeira, que a todos nos alimentava, o nosso nível de vida tenha que descer. Ou então temos que produzir mais riqueza rapidamente, mas tb ninguém sabe como é que isso se faz...
Excelente post cara amiga, gostei.
Beijo.

Vanuza Pantaleão disse...

Lídia, querida!
A crise já atinge os poderosos, porque nós, o povo trabalhador e, pior, os excluídos, nunca se libertarão do sofrimento e das carências nessa terra. Os banqueiros e multinacionais se ressentem dos seus fabulosos lucros que despencam em queda livre. De alguma forma, eles "precisam" disso. Que possam repensar melhores soluções para todos.
Sua inteligência e, principalmente, sua postura Humanista nos irmana e faço coro a tudo o que disseres.

Deus a proteja, amiga!!!Bjsss

Mª João C.Martins disse...

Lídia..
As crises são importantes, sejam quais forem as áreas onde ocorram. É através delas que se fazem sempre reformulações, correcções, melhorias e mudanças. As crises funcionam como "gritos" de insustentabilidade, plataforma de novas reorganizações e equilíbrios.
Acredito que a crise mundial e global que vivemos, nos vários aspecto da vida: económico, social, familiar, existencial, afectivo, educacional (e por aí fora), é consequência normal e inevitável de um caminho evolutivo que o homem, como ser criador que é , foi definindo à luz das suas próprias motivações e desejos para além das suas necessidades. Ou previsão de consequências. Assim, o simples, básico e fundamental na vida de cada um e de todos nós, foi substituído pelo supérfluo, pelo mesquinho e pela resposta obsessiva a novas, diferentes e suplementares necessidades.
E assim foi mudando também a essência do homem enquanto tal…
Estamos assim e no meu ponto de vista claro, a viver um momento de viragem da humanidade, uma espécie de caos onde paulatinamente o desejo de retornar às coisas simples da vida, ao valor dos sentimentos e dos afectos e á tranquilidade da nossa existência, se vai verificando aqui e além como se fossem pinceladas num novo quadro da vida com outras cores e outras paisagens de que urgentemente se necessita.

“ Do caos, nasce a ordem” ….. acredito nisso!

Obrigada pela reflexão!
Tenho por assim dizer, uma especial empatia pelas temáticas que escolhe e a forma extraordinária como escreve. Por isso lhe estou sempre grata pela partilha.
Um beijinho

Fatyly disse...

Subscrevo na totalidade as tuas palavras e se olharmos para a história veremos que é feita de ciclos e este ficará igualmente na história da mudança.
Acredito e já vivi várias crises, uma delas bem mortífera, que é nas crises que se dá mais valor ao ser humano e por vezes a maioria tem que passar por vicissitudes e dificuldades para descerem alguns degraus que foram subidos sem qualquer valor ético, moral, social e até humano.
Subscrevo igualmente a opinião de todos os comentadores.

Beijocas

Rafeiro Perfumado disse...

Parte da crise reside no facto de se falar tanto dela. Sim, porque acima de tudo esta é uma crise de confiança nas instituições, e enquanto estas não forem restauradas, a crise permanecerá, minando o que ainda está de pé.

Beijo!

Odele Souza disse...

Lidia,

Quem sabe possamos ver pessoas saindo da crise mais fortalecidas emocionalmente porque deixaram de pensar em "gastar" e passaram a exercer mais o "amar". Seria tão boa essa constatação de que existe vida além da crise.

tagarelas disse...

Ola Silencio Culpado-Nao podia estar mais de acordo com o que escreveu. E garanto-lhe que a minha posicao em relacao a' crise e' de de optimismo, porque acredito que ela ira servir para questionarmos a forma como vivemos.

Maria Clarinda disse...

Uma análise excelente!!!Das melhores que tenho lido nos últimos tempos!
Obrigada!
Jinhos

Valsa Lenta disse...

Essencialmente uma crise de valores. Talvez tenha sido esta que em parte tenha originado a económica - a falta de escrúpulos. Os nossos jovens andam desorientados, as nossas crianças não percebem e revoltam-se - porque até aqui tiveram sempre o que desejaram, na altura que o pediram.
Com a crise é possível que surja em nós uma onda de solidariedade, uma sensibilidade maior para os problemas sociais.

Felicidades

O Profeta disse...

Um país triste e...confuso...


Doce beijo

Susana Falhas disse...

Lídia:

De facto vivemos um momento, deveras confuso... a crise também pode ser o momento certo para uma profunda reflexão e de reajustamento sobre aspectos menos bons da nossa sociedade.

Um abraço, Susana

Elvira Carvalho disse...

Passei só para deixar um abraço, já que o tempo e disposição não me permitem mais.

Lúcia Laborda disse...

Querida amiga, assino em tudo que disse! Só em crises, as pessoas param pra analisar a vida e os modos de viverem.
Obrigada querida por seu carinho de sempre!
Beijos

R.Almeida disse...

Lídia
O teu texto é profundo e para além da crise deixa uma mensagem expressa sobre o crescimento e desenvolvimento humano.
A nossa preocupação em educar os nossos filhos da melhor maneira, leva-nos por vezes a fazer exactamente o contrário e a torná-los em seres dependentes quando chegam à fase de jovens adultos.
Para cada um de nós os nossos filhos são os melhores, os mais bonitos,os mais inteligentes. enfim sempre os mais, mais em qualidades. São sinónimo de perfeição enclausurados em rodoma de vidro imaginária para que não se estraguem. Super protegidos, super educados, rodeados de tudo aquilo que precisam e do que não precisam.
Nenhum pai se preocupa em saber se aquilo que quer que os seus filhos sejam é o que eles querem ser.
Acontece muitas vezes, uma revolta interior e aquilo que achamos perfeito segundo os nossos valores e padrões estabelecidos, é imperfeição para eles. O exemplo que dás das filhas da tua ex-colega de trabalho ilustra bem todo este pensamento.
Continuaria a escrever sobre este assunto durante horas e as palavras não se esgotariam e poderia citar exemplos de casos de pessoas que conhecemos.
Direi apenas "mea culpa" retratando-me nos erros cometidos por mim na educação dos meus filhos,aos quais nunca quis que lhes faltasse algo. Jovens adultos estão agora na fase de aprendizagem das dificuldades da vida, que deveria ter sido iniciada quando eram simplesmente crianças. De tudo o que fiz por eles algo ficou em suas mentes o que de alguma forma me deixa feliz, mas reconheço os erros cometidos e dou a mão à palmatória. Quando penso de como agiria se pudesse voltar atrás e reparar esses erros sinto uma certa frustação por não o poder fazer, mas ao mesmo tempo penso que caso isso fosse possivel e eu começasse tudo de novo cometeria novos erros que mais tarde reconheceria. Somos seres imperfeitos e pensamos que a perfeição poderá estar em nossos filhos se os soubermos educar e queremos retratar-nos neles. Depois vem a desilusão e nem sequer nos regozijamos pela imperfeição dos nossos filhos, que desta forma são iguazinhos a nós na imperfeição que nos caracteriza.
Não haja dúvidas a CRISE .... é global e a verdade é que não estamos preparados para ela, mas que ela pode desenvolver a valorização humana lá isso pode.
Bjs

Arnaldo Reis Trindade disse...

O Raul falou em desevolvimento humano amiga e acho que é isso que está faltando, está falando aos homens evoluirem, olhrem ara frente e se exforçarem ao invés de fugirem dessa tal crise que nada mais é que o medo de errar, não há crise financeira, há uma crise economica causada pela falta de coragem de alguns e a falta de vergonha na cara de outros, cabe a cada um de nós nos levantar e acabar com a crise, seja qual for a causa dela, temos um mundo todo parado, assistindo aos jornais e esperando para ver como estão os movimentos das bolsas de valores e a cotação do dólar nos seus países sem nem mesmo entenderem o porque de o estarem fazendo e depois reclamam que estão perdendo seus empregos, o negócio agora é lutar (trabalhar) para que não haja luta armada mais na frente.

Abraços

Anónimo disse...

Esta crise, falada, ouvida, sentida, vivida, deixa as pessoas cada vez mais abaladas, descrentes, impotentes.