SUSPEIÇÃO

Vive-se num clima de suspeição intolerável. Ninguém já acredita em políticos nem em autarcas salvo raras e honrosas excepções por demais comprovadas.

Chovem as anedotas, as piadas que, conjuntamente com uma gargalhada, vão minando a nossa segurança e questionando se os valores da ética já estarão démodés neste salve-se quem puder em que vale tudo até mesmo tirar o pão da boca dos outros para o jogar na roleta. Parece exagero?

Pensem só nos empresários que apanhando a boleia da crise não pagam a tempo e horas aos seus empregados nem estabelecem com eles vínculos laborais que confiram dignidade às suas existências. No entanto nem todos padecem dos males da recessão. Há os que mesmo em crise se dão a luxos excêntricos.

Mas este sentimento, que se generaliza, de que estamos a ser roubados é algo que se entranha como um punhal quando, sob a impunidade, tudo se julga e tudo fica como antes. Os autarcas são chamados à pedra e, após vários episódios de folhetins rocambolescos, voltam ao seu lugar onde continuam sem vergonha nem remorsos no País onde todos fazem e, por isso, já nada fica mal.

É este incómodo que revolta e fere os pensamentos, qual incêndio devastador que não se circunscreve, que vai queimando ideais e vidas enquanto, no estertor da morte, a ordem vigente não dê o último suspiro para entrar uma nova ordem.

É que não se pode viver assim. A suspeição é pior que a pior realidade porque admite tudo até mesmo a inocência.

O caso Freeport representa o expoente máximo de todas as suspeições. Está em causa um Primeiro-ministro sobre o qual já penderam outras suspeições que não ficaram bem esclarecidas, que não foram suficientemente convincentes para a maioria dos cidadãos.

Admito que haja opositores sem escrúpulos que usam de todas as armas para lançar lama. É o País que temos criado pelos governantes que merecemos. Alguns estarão a ser vítimas das suas criações ou das formas como não conseguiram criar valores éticos enquanto dirigentes. Mas nada invalida a insustentabilidade de não se acreditar.

No caso Freeport vêm a terreno os defensores e os atacantes. Longe de mim pretender ser juiz de tão preocupante contenda. Mas não posso viver com esta dúvida terrível ou olhar o nosso PM como se nada se esteja a passar, como uma vítima inocente dos ventos da inveja e do mal dizer. Preciso de provas convincentes, mais convincentes que todas as provas já apresentadas, porque esta suspeição reforça as suspeições anteriores.

É urgente que se clarifique se há valores adquiridos no percurso de José Sócrates incompatíveis com os rendimentos de trabalho auferidos na sua carreira política. É que a suspeição alastra como nódoa e como efeito e o rosto do País, apresentado na pessoa do seu Primeiro-ministro, não pode aparecer diminuído pelo achincalho.

Tal como as doenças terminais, a credibilidade não sobreviverá só com paliativos. Para além de medidas de fundo que se impõem, e que não podem ficar ao nível do que delata Maria José Morgado quando afirma que muitos políticos acumulam riquezas ilegítimas através da sua carreira, é preciso que se encontrem não os bodes expiatórios mas os verdadeiros culpados.

Porque esses políticos de que fala Maria José Morgado têm um rosto, andam entre nós, e continuam a decidir sobre os nossos destinos usando os nossos recursos.